"Sabor a Tua"
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Foi mesmo um sabor a Tua! Tinhamos previsto para estes quatro dias, fazer a totalidade da linha do Sabor e a parte desactivada, entre Bragança e Mirandela, da linha do Tua. Desta última só tivemos mesmo direito a um pequeno sabor, uma vez que a presença dos carris impediu-nos de progredir em grande parte do percurso que tinhamos inicialmente previsto. Desanimados? Nem por isso! Foram, mais uma vez, quatro dias de muito calor, muito esforço mas muiiiiito gozo!
Fomos de carro de Leiria a Torre de Moncorvo, onde pernoitámos numa residencial, que por sorte tinha um estacionamento privativo onde nos foi permitido deixar o carro, durante estes dias que andámos a pedalar. Depois do jantar, fizemos uma caminhada até à antiga estação, para ver onde seria o ponto de partida da manhã seguinte. Logo para surpresa encontrámos uma placa a indicar "Ecopista" e mais à frente um senhor que estava por ali a apanhar o fresco da noite, indicou-nos a entrada para essa via. Estivémos por ali um bocado na conversa e ficámos a saber que do Pocinho até ali a Moncorvo, ainda havia carris na linha. Ficava assim de fora a possibilidade de fazer no último dia, a ascenção a Torre de Moncorvo pelo traçado da linha, desde o Pocinho.
22/07/2006
Saímos da residencial em direcção à ecopista. Lá estava ela, logo a seguir à estação, com o piso em macadame e ladeada de postes em madeira. Mais à frente havia um local mais largo com uma vista magnifica, um banco para descansar e suportes para estacionar as bicicletas. A Ecopista durou para aí uns 8 km, até perto de Carvalhal onde pudemos constatar a degradação a que chegaram todas as infraestruturas de apoio: estação, depósito de àgua, armazém de mercadorias, sanitários, etc.
A partir daqui o piso manteve-se ciclável, primeiro contornando um monte que era quase um cone perfeito e depois pelo meio de matos e alguns campos cultivados. Em Carviçais pedalámos pelo alcatrão, uma vez que o canal da linha lhe é paralelo e desapareceu quase por completo. Só que à saída da aldeia o alcatrão começou a fazer "cócegas" e lá voltámos a pisar aquele cascalho grosso, com vista para a estrada ali ao lado.
A partir da estação de Freixo de Espada à Cinta a coisa começou a complicar-se. o calor fazia-se sentir e o canal da linha começou a ficar cheio de estevas. Ainda teimámos durante alguns metros mas rapidamente chegámos à conclusão que o melhor sería procurar caminhos alternativos. Não foi difícil! Progredimos assim até Fornos, sempre com a linha ali por perto. Como nesta localidade não encontrámos restaurante, asfaltámos até Lagoaça (único local que encontrámos onde o edifício da estação foi recuperado) e parámos numa bomba de gasolina para almoçar. A melhor imagem que posso dar do nosso estado àquela hora, é a rapidez com que a travessa de bacalhau à Brás e salada de tomate, desapareceu da frente do meu companheiro. Quando estava a tentar perceber como é que ele tinha "aviado" tão rápido tal refeição, ele exclama:
-Porra! Estive a comer com dois garfos!
Depois de almoço entrámos novamente na linha, no local onde ela atravessa a estrada. Fomos alternando entre a linha e caminhos agrícolas até que ao fundo de uma longa recta, enquanto dava um pouco de ar a uma roda, aquilo que ao longe se assemelhava a um monte de brita, parecia querer barrar o caminho. O monte de brita afinal não era mais que enormes blocos de pedra extraídos de uma pedreira ali ao lado. Tivemos de inventar caminho onde não o havia até retomar novamente o nosso objectivo.
A primeira aldeia que encontrámos depois do almoço foi Vilar de Rei. Chegámos pelas traseiras e surpreendemos uma avó a enfiar um prato de papa a um neto que já quase tinha idade para comer um casqueiro e beber uma mini. É claro que o garoto ficou um bocado envergonhado mas perante "aquela" avó não teve outro remédio senão devorar a papa toda. Metemos conversa e tivemos direito a uma garrafa de 1,5 lt de água em gelo. O avô do garoto disse que pelo menos daria para uns quilómetros. E deu! na estação de Mogadouro ainda tinha gelo na garrafa.
Aqui, na estação de Mogadouro, existem silos da EPAC e alguns armazéns (fechados) de empresas de adubos sementes e outros produtos usados na agricultura. A estação e os restantes edifícios de apoio estão a caír.
Mais à frente parámos em Santiago, num café de beira de estrada para comer um gelado. Cá fora vários tractores com os atrelados carregados de fardos de palha, esperavam que os seus condutores se sequiassem. Comi dois gelados, cá fora, à sombra da esplanada. À segunda vez enchi o peito de ar, sustive a respiração e quase que consegui comprar o gelado sem ter de respirar a nuvem de fumo que se formava por cima de uma mesa de sueca. Os tractoristas (que me pareceram bem bebidos) discutiam qual a melhor hora para se fazerem à estrada, quem iría à frente (talvez alguém sóbrio num carro ligeiro) e ainda se queixavam que os tipos da Guarda já não eram como dantes.
Seguimos, desta vez até Variz onde a pequena estação está decorada com azulejos bem bonitos. A tarde ía caindo e as forças também. O corpo queixava-se de tanta pedra e de repente a pedaleira do Nuno começou a chocalhar. Parámos imediatamente e verificámos que os dois pratos maiores estavam presos por um parafuso, outro estava quase a largar a porca e dos outros dois nem sinal. Ainda procurámos por ali mas no meio daquele cascalho grosso era missão impossível. A solução foi tirar um parafuso da minha bicicleta e ficarmos cada um com três parafusos em cada pedaleira. Fizemos os restantes dias assim e não houve problemas.
Ainda antes de Sendim, debaixo de um viaduto, onde fizemos um bocado à mão por haver vegetação e lixo no canal, o Nuno soltou um grito e agarrou se à canela. O que foi não sei, mas que tinha duas picadelas uma ao lado da outra, isso via-se bem. Abelha ou vespa não foram porque a dor e o inchaço seríam maiores. Para dar um bocadinho mais de emoção à aventura, decidimos que ele tinha sido mordido por uma cobra transmontana.
Em Sendim jantámos uma bela de uma posta na Gabriela e ficámos a saber que ali se abriga a malta que faz a Travessia. De barriga cheia e já com a noite a caír, pedalámos mais um pouco pela linha até encontrar "quarto" ali para os lados de Prado Gatão. Não foi fácil adormecer por causa do calor mas o cansaço tratou do assunto.
23/07/2006
Acordámos com o clarear do dia e depois de arrumar a tralha lá segimos viagem para fazer o pouco que faltava da Linha do Sabor. Pedalámos quase sempre fora dela, por caminhos paralelos, uma vez que o mato se tornou seu inquilino. No entanto a rede de caminhos é abundante e tomámos um que deve ser bem antigo, a julgar pelo cruzeiro que encontrámos, que até tinha caixa de esmolas. Antes de chegármos ao fim da linha, ainda passámos por uma pequena lagoa e atravessámos zonas onde as árvores, em maior número, nos foram proporcionando alguma sombra e frescura. Finalmente chegámos a Miranda - Duas igrejas, fim da linha do Sabor onde mais uma vez tudo está ao abandono e em rápida degradação. Estava assim cumprido quase na integra o nosso primeiro objectivo. Só ficava a faltar a subida do Pocinho a Moncorvo que já tinhamos descartado quando ficámos a saber que ainda havia carris.
Foi difícil encontrar nesta localidade um local que ao domingo de manhã pudesse servir alguma coisa parecida com um pequeno almoço. Tivemos que nos contentar com aquelas embalagens de mini-croisants e já não foi mau.
De novo na estrada seguimos até Vilar Seco pelo meio de searas acabadas de ceifar e algumas ainda com os fardos de palha por carregar, espalhados pelo campo. Atravessámos a aldeia e seguimos por uma zona de bosque até Caçarelhos. Nesta aldeia que nos pareceu muito bem cuidada, pudemos admirar algumas portas dos pisos térreos das casas antigas, caracteristicas desta zona. Por estas portas enormes tinham de caber os carros de bois carregados com palha, justificando-se assim a sua dimensão.
Saimos da aldeia por um caminho com muita pedra e mais adiante começámos uma longa descida até ao rio Angueira. O Planalto Mirandês tinha ficado para trás e agora, depois de passar o rio só podíamos esperar uma subida. Lá a fomos fazendo sem grande dificuldade, em bom piso e com alguns patamares a permitirem descansar. O que não contávamos é que voltaríamos a descer quase à mesma cota e depois voltar a subir em linha recta até ao cimo de Vimioso.
Bendita esplanada ao lado da igreja!... e a piza feita na hora e as colas e os ice-teas com gelo!? Deu para afastar o "Homem da Marreta" por umas horas. De estômago aconchegado seguimos para Pinelo e mais à frente demos com uma pedra que assinala o caminho que os judeus fizeram quando foram expulsos de Espanha. Seguimos depois quase em plano para descer a bom descer até ao rio Maçãs. No açude alguns banhistas causavam-nos inveja, mas como ainda faltava um bom bocado até Bragança, achámos que um banho áquela hora comprometeria o atingimento do nosso objectivo.
Para sair deste vale o track que o Nuno levava indicava que devíamos seguir por alcatrão. Por um lado fiquei aliviado porque para sair daquele buraco a estrada sería o caminho menos inclinado. Por outro lado não me parecia que assim continuássemos por muito tempo. E não! Duas ou três curvas depois uma rampa de terra esperava por nós. Foi penar até lá acima, com a bicicleta à mão e pela primeira vez a sentir o peso dos alforges. Ainda antes do cimo parámos numa sombra, despimos as camisolas e ali estivemos a "arrefecer o motor". Fizemos o resto da subida e entrámos numa zona com mais sombra, ali ao lado da aldeia de Paradinha, onde junto a uma capela encontrámos um ponto de água com uma daquelas bombas manuais.
Após uma forte descida, demos connosco no meio de um arraial cheio de idosos com bonés todos iguais, consoante o grupo a que pertenciam. Entrámos na festa pelo lado da barraca dos gelados. Já mais fresquinhos, tivemos de entrar pelas obras do IP 4 e voltar à margem do rio Maçãs (que aqui faz fronteira), numa zona bastante verde e fresca que rapidamente se transformou numa parede até lá acima à aldeia de Quintanilha. Por esta altura já parávamos por tudo e por nada e estando na presença de um café não hesitámos em nos refrescar novamente. Até porque daqui para a frente a probabilidade de encontrar algum sítio para comer ou beber parecia pouco provável (o que se veio a confirmar).
Desde Caçarelhos que já tinha perdido a conta às subidas e descidas, pelo que nova descida ao rio Maçãs adivinhava mais do mesmo. Por aqui portugueses e espanhóis passavam uma tarde de domingo junto ao rio e nós cheios de inveja mas determinados em chegar a Bragança.
A meio de cada subida eu avisava o Nuno que não desceria mais ao rio. Chegados ao cimo, ele olhava para o GPS, olhava para mim e dizia que era para baixo. Lá dava eu o braço a torcer, esperançado que lá em baixo houvesse algo digno de visita. É verdade que já estávamos muito cansados e sem grande sensibilidade para apreciar a paisagem (hoje recordo-a de uma outra forma) mas a cada descida sucedia-se uma subida igual à anterior e assim sucessivamente por três ou quatro vezes. Pelo meio encontrámos uma casa abandonada dos Serviços Florestais onde aproveitámos a existência de uma torneira para abastecer, apesar da água ter mau sabor. Finalmente acabaram as "visitas" ao rio Maçãs e pedalámos em planalto, começando a dar a volta em direcção ao nosso destino.
A aldeia de Deilão ficava ali ao lado mas as forças já não eram muitas e nada nos garantia que houvesse por lá um local onde se pudesse comer qualquer coisa. Na perspectiva de ser sempre a descer até Bragança, decidimos comer o que tínhamos e não perder tempo. Consegui mastigar uma barra mas para a engolir teve de ser com a ajuda de àgua. Sentia que estava a chegar ao meu limite e só queria "planar" até Bragança. Realmente teremos feito metade do caminho sempre a descer mas depois pequenas subidas alternavam com descidas maiores, uma espécie de "dente de serra" até Gimonde. Finalmente o alcatrão! estava tão empenado que não conseguia pensar e ía a queimar o resto que ainda havia. De tal forma que até o Nuno ficava para trás. Finalmente "acordei" quando o Nuno me impediu de quase entrar por um hotel adentro. Ele ainda estava com descernimento para contar as estrelas e realmente não havia necessidade para tal despesa. Pedalámos então mais um pouco para o centro da cidade onde encontrámos uma residencial que nos proporcionou uma boa dormida e um bom pequeno almoço.
Estava sujo (dois dias a pedalar debaixo de sol sem tomar banho) mas parecia que nem me apetecia tomar banho, tinha sede mas a água não me sabia bem. Mesmo depois de uma caminhada até ao restaurante, tinha fome mas ao mesmo tempo não me apetecia comer. A quem tería o Nuno "roubado" o malva(r)do do track que nos guiou nesse dia?
24/07/2006
Água fresca e sumo de laranja puseram termo ao empeno do dia anterior. Agora sim, depois de uma noite bem dormida estava-se bem, ali a saborear o pequeno almoço e a recordar as imagens do dia anterior.
Para este dia tìnhamos como objectivo percorrer a linha do Tua até Mirandela. Fizemos uma visita à estação, recuperada e agora a servir de terminal aos autocarros. Descartámos a linha dentro da malha urbana e seguimos pelos campos até Nogueira. Mais à frente apanhámos a linha e por ela seguimos sem problemas até dar-mos com uma pequena ponte metálica. O ano passado, na linha do Dão, já tínhamos encontrado algo semelhante mas aqui havia uma corrente a barrar a passagem, o que dificultava a passagem da bicicleta (não esquecer que com alforges fica um bocadito mais pesada). Mesmo assim foi passada sem problemas.
Nos locais onde a estrada passa perto, o canal da linha não é utilizado como caminho e é invadido pela vegetação. Mesmo assim ainda teimámos em progredir, sempre na esperança que mais à frente estaría melhor. O que é um facto é que com maior ou menor dificuldade o canal estava lá e nós íamos avançando.
A dada altura os utilizadores do IP 4 foram presenteados com uma sessão de equilibrismo, proporcionada por dois ciclistas dispostos a quebrar as regras. Foi a maior e mais alta ponte por onde já passámos. Com a agravante da dificuldade de entrar e sair, por causa das correntes e da falta das placas de cimento do passadiço nas extremidades da ponte, precisamente para tentar evitar o seu atravessamento.
Antes de Sortes tivemos de abandonar a linha porque um túnel estava parcialmente tapado, primeiro com vegetação e depois, ao contornar-mos e passar-mos por cima pareceu-nos ter havido um desabamento. A linha passa por baixo desta aldeia por um viaduto que ao longe dá a ideia de ser um túnel mais comprido. Túnel apanhámos antes de Sta. Comba de Rossas, dequeles em que se tem de ligar as luzes e ficar um bocadinho lá no meio aproveitando a frescura. Em Rossas não havia restaurante pelo que tivemos de pedalar mais um poco até Salsas, umas vezes na linha e outras por caminhos rurais ladeados de castanheiros com os troncos ocos.
Por fim o restaurante. Quando o Nuno voltou de lavar as mãos já tinha em cima da mesa a talhada de melão, a travessa de frango assado no forno com arroz, a salada e o ice-tea. Serviço rápido e sem escolha, era o que havia nesse dia. Mas estava muito bom e foi em conta.
Saímos bem comidos, tentando retomar a linha. Andámos ali ao lado por caminhos alternativos mas sem pedalar pelo canal. Mais à frente terminava a possibilidade de continuar porque os carris ainda não tinham sido retirados. Ficámos um pouco desnorteados porque o plano tinha ido por água abaixo e era preciso reformular a jornada. Estávamos nestes preparos, o Nuno às voltas com o GPS e eu com os mapas, quando resolvi desdobrar a folha e ver o que havería ali à volta. Então do outro lado do mapa apareceu uma mancha azul, no momento em que o meu camarada me informava que ali ao lado tínhamos a barragem do Azibo. Hoje é que era, Hoje é que íamos ao banho.
Inventámos por caminhos de terra e descemos para a beira da àgua. Um abrigo feito com troncos, para a observação de aves aquáticas, serviu de garagem para as bicicletas e à frente a "praia" estava por nossa conta. A água... bem, a água estava morna, de tal forma que por ali estivemos até começar-mos a ficar com arrepios de frio. No entretanto aproveitámos para fazer uns telefonemas a alguns amigos. Tentávamos enviar-lhes o som do chapinhar na água e eles retribuíam com frases que me escuso repetir. Estas reacções de "inveja" só nos aumentavam a satisfação por termos dedicado uns dias de férias a pedalar por aí.
Não tivemos outro remédio senão seguir viagem, primeiro por alcatrão e depois por um vale largo, a leste de Macedo de Cavaleiros, numa zona com campos cultivados cercados de árvores altas a protegerem-nos do sol. Mais adiante, em Carrapatas, o dono do tasco onde parámos para nos refrescar, disse-nos que lá mais para baixo, já tinham retirado os carris e que os agricultores utilizavam a linha para passar com os tractores. Ficámos outra vez entusiasmados, embora os últimos quilómetros pedalados fora da linha, até tivessem sido bastante agradáveis.
Por alcatrão chegámos a Cortiços e depois a Cernadela. Aqui entrámos em terra e fizemos a subida do dia. Foi de tal maneira suave e com um piso tão bom que só demos conta do que tínhamos subido, quando reparámos num marco geodésico ali ao lado. Estávamos outra vez no meio do nada, com uma paisagem magnífica em redor e um estradão para descer até Vila Verdinho, que parecia não querer acabar. Foram curvas e mais curvas até chegar á aldeia.
De Vila Verdinho ainda descemos forte até ao fundo do vale, por um alcatrão também cheio de curvas mas mais esburacado que os estradões em terra que tínhamos feito antes. Cá em baixo recordámos as palavras do taberneiro de Carrapatas e na primeira oportunidade subimos à linha. Foi mau, muito mau! Valeu as silvas terem amoras mas em contrapartida vimo-nos aflitos para conseguir sair dali sem ter de voltar atrás. Por fim lá descemos novamente ao alcatrão e pedalámos os últimos quilómetros até Mirandela que nos recebeu em festa.
25/07/2006
Saímos de Mirandela pela ponte Romana, seguindo pelo vale do Tua, por onde segue a linha com o mesmo nome. Por aqui o rio ainda é largo e corre manso, ladeado de choupos e aqui e ali travado por açudes meio destruídos que outrora desviavam a água para as azenhas. Assim pedalámos durante cerca de 5 km, até que sem alternativa tivemos de entrar na EN 213. Fizemos uma pequena paragem em Frechas para abastecer de água e ainda por alcatrão alcançámos Cachão para o primeiro gelado do dia.
O Cachão é o "fundo de um alguidar". A única forma de sair dali a descer é de comboio ou pelo rio. Como o nosso destino neste dia era Moncorvo, nenhuma destas hipóteses nos servia. Do GPS do Nuno saiu a pior solução (tenho de lhe explicar o que significam as linhas castanhas nas cartas militares). Entrámos em terra e começámos a subir, primeiro a pedalar, depois a arfar, mais à frente com ela à mão e por fim a praguejar com o calor, o mau cheiro, o lixo por todo o lado e com o... Nuno. Durante a subida o Cachão ía ficando lá em baixo, cada vez mais pequenino, Freches voltava a aparecer lá ao fundo e do outro lado, o Santuário da Srª. da Assunção aparecia á mesma cota que nós. Por fim chegámos ao aterro sanitário e ao canil municipal. Mal fizemos meia dúzia de metros no alcatrão e já estávamos novamente em terra a subir. Desta vez subia menos e até dava gozo porque estávamos a atalhar, pelo menos a julgar pelo tempo que os camiões do lixo demoravam a descer o monte e passar na nossa direcção.
Por fim, no topo, seguimos pela EN 214 em direcção a Vila Flor. Talvez por ser o último dia desta aventura e de já termos um razoável acumulado de emoções, este bocado de alcatrão que fizemos, foi um tanto ou quanto aborrecido. Se calhar também porque o esforço da subida merecia um desfecho bem mais agradável do que ter carros a passar por nós a alta velocidade, numa estrada sem sombra nem paisagem. Valeu que o Nuno resolveu acordar de um longo sono alguns caminhos que, a julgar pelo mato e pelas pedras, há muito não eram trilhados por ninguém. A parte mais ciclável (ou "andável") foi quando tivemos de atravessar um olival acabado de lavrar. Finalmente demos com a saída, saltámos para o caminho e quase sem dar conta estávamos em Vila Flor.
Almoçámos num restaurante que visto da rua não diz o que é por dentro. Um local onde se come bem, se paga o normal, com um "serviço" de luxo e cujas instalações (sala, cozinha, WCs) deixariam muitos restaurantes bem mais caros, corados de vergonha. Durante o almoço já começávamos a sentir que a aventura estava a chegar ao fim. Contentes pela forma como tinha corrido, tristes por estar a acabar.
Saímos para fazer a parte final, determinados a aproveitar da melhor forma o resto da jornada. Sempre a descer atravessámos Vila Flor e á saída tomámos um caminho que descia para o vale da Vilariça. Aqui sim! O Desnível foi aproveitado ao máximo, sempre a serpentear pela encosta, onde algum mato alternava com vinhas, olivais e amendoais. Do outro lado do vale, uma encosta totalmente em pedra, sem possibilidade de qualquer tipo de agricultura mas com uma estrada à medida dos melhores trepadores de asfalto. Ao fundo o Douro a apontar o "dedo" a Trás-os-Montes" e mais ao longe, lá na Serra do Reboredo, o nosso destino final, Torre de Moncorvo.
Já cá em baixo, rolámos pelo vale, no meio de vinhas a perder de vista. Atravessámos quintas e o leito seco da ribeira da Vilariça. Antes do IP2 ainda pudemos ver alguns campos com melão e tomate completamente estragados, talvez devido à falta de água.
Algumas pedaladas pelo IP2 e passámos por cima do Sabor. Lá em baixo, junto ao rio alguém se preparava para "fazer praia". Como estava muito calor e faltavam subir os 9 km até Moncorvo, achámos que aquela barraca lá em baixo junto ao rio tería qualquer coisa para nos refrescar e retemperar as forças. Ainda hesitámos mas acabámos por descer ao rio. Afinal a barraca era uma miragem e só serviu para que a subida a Moncorvo começasse ali junto à água do Sabor.
Foi quase o final de uma etapa de montanha. Já dentro de Moncorvo, por ruas em empedrado e bem inclinadas, até deu para sprintar e disputar a chegada à esplanada junto à Câmara Municipal. Estávamos completamente encharcados em suor e secos por dentro. Desde Vila Flor que não tínhamos encontrado nenhum café nem ponto de água e a única que bebemos foi a que levávamos nas garrafas e que estava quente. Por ali ficámos a comer gelados e beber água fresca até ficármos secos por fora e "molhados por dentro". Não era preciso dizer nada. Olhávamos um para o outro e sorriamos. Lembro-me de na altura dizer ao Nuno que só iría ter a noção e sentir a satisfação pelo que tínhamos feito, quando estivesse a escrever estas palavras (e é verdade, embora preferisse estar lá outra vez).
A nossa aventura terminou com o resgate da viatura junto da residêncial para o regresso a Leiria. Na súbida para Foz Côa ficou praticamente alinhavada a aventura do próximo ano e mais à frente, ao lado de Marialva, ainda tivemos que fazer uma paragem para "passar pelas brasas", evitando assim qualquer possibilidade de "ir aos verdes".
-Comentários e dados estatíticos do Nuno Neves
A aventura pelas linhas do Sabor e do Tua terminou. Foram quatro dias intensos.
Inicio: 08H30 - 22.07.2006
Fim: 16H30 - 25.07.2006
Total kms: 361,62 km
Acumulado positivo: 5.038 m
Tempo Deslocamento: 30H40
Deslocamento médio: 11,8 km/h
Vel. Máx: 54,6 km/h
Parado: 7H47
Média Geral: 9,4 km/h
Elevação máx: 893 m
Não queria subir tanto, mas o Brites obrigou-me. Grande malvado.Depois conversamos...