Pedalando por aí

Relatos de pequenas aventuras, pedalando pelos "maus" caminhos de Portugal

Wednesday, July 20, 2005

Férias de "Comboio"

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A ideia já tinha uns anos: pedalar pelas curvas e contracurvas das linhas desactivadas do Vouga e do Dão. As expectativas eram baixas. As duas linhas desactivadas há já alguns anos e com passagem pelo meio de tantas localidades já deveriam estar obstruídas, ora por construções, ora pela vegetação. Mesmo assim, se não fosse possível pedalar pela linha, certamente que aquela zona do país não nos desapontaria em termos de beleza natural.
Este ano, munidos de um simples mapa de estradas e de um GPS, o projecto foi finalmente avante.

10/07/2005
Leiria – Carvoeiro (algures na margem do Vouga)

Pouco passava das 8:00 da manhã quando saí de casa. Rapidamente desci os 6 quilómetros que separam a minha aldeia da cidade de Leiria, que por ser domingo, estava deserta. Fiz a subida do dia até chegar a casa do Nuno, o meu companheiro de jornada. Lá estava ele ansioso e pronto para seguir. Agora já éramos dois e a nossa aventura começava.
Sempre por alcatrão, descemos até atravessar a tristemente famosa Ribeira dos Milagres. Voltámos a subir suavemente para a Bidoeira e mais à frente encostámos à Ribeira de Carnide que nos havia de “levar” até ao Mondego. Começaram a aparecer os primeiros arrozais. No início, timidamente num vale ainda estreito mas depois numa área muito maior e a perder de vista. Procurando o melhor caminho, pedalámos cruzando o vale, embalados pelo “ta-ta-ta...” das motobombas e pelos pios das aves de rapina que por ali voavam.
Espectáculo! Rodeados de arrozais e a pedalar em terra, o dia estava a começar bem, até o caminho parecer querer acabar, logo ali com os carros a passar numa estrada alcatroada mesmo à nossa frente. Não calhava nada ter de voltar atrás e procurar outro caminho. E não foi preciso porque havia uma pequena comporta para regularização do nível das águas e com algum equilíbrio conseguimos passar para “terra firme”.
Depois das Termas da Azenha (local conquistado, recuperado e invadido por holandeses) chegámos finalmente ao Mondego. Já tínhamos visto uma placa a indicar “Mata Mourisca” e agora chegávamos a “Moinho do Almoxarife”. Como se isso não bastasse, o simpático dono do café local era um homem bem moreno e de bigode. Um autêntico muçulmano. Definitivamente estávamos ainda em território mouro”. Talvez o Mondego fosse a fronteira, mas como pudemos verificar bem mais a Norte, ainda haveríamos de passar por Mourisca do Vouga.
Aproveitámos a paragem para tomar um segundo pequeno-almoço e arrancámos de novo debaixo de forte calor. O Mondego e os seus canais acompanharam-nos durante vários quilómetros, primeiro até Montemor-o-Velho e depois até ao Choupal em Coimbra. Aqui, chegados a uma rotunda, rapidamente avistámos as primeiras setas amarelas que apontam para Santiago de Compostela. Aquelas longas rectas planas pelos campos do Mondego, já me estavam a fazer mossa e foi com alguma boa vontade que me deixei convencer pelo Nuno a pedalar até Santa Luzia onde um belo restaurante nos haveria de saciar a fome e a sede. Até lá seguimos as setas amarelas atravessando pequenas aldeias nos arredores de Coimbra.
Finalmente o restaurante. E ainda por cima com ar-condicionado. Sopa, sandes de leitão, melão e café, foi quanto bastou para voltarmos à estrada. Até à Mealhada o Caminho de Santiago entra verdadeiramente em terra. Pedalámos por vinhas, hortas e pinhais. O percurso está bem marcado e até tem setas pregadas em árvores: amarelas para Santiago e azuis em sentido contrário para Fátima. Antes de chegar à Anadia ainda nos perdemos, pois no meio de um pinhal estavam duas setas amarelas e cada uma indicava um caminho diferente. Devemos ter escolhido mal porque só encontrámos mais uma seta. O que nos valeu é que apareceu mais um café e fizemos uma nova paragem para refrescar.
Mais à frente reencontrámos o Caminho, que voltámos a perder à saída de Águeda. Estes desencontros foram sempre oportunidades para conhecer novos trilhos e apimentar a jornada com a incerteza de estar a tomar a opção certa. Costuma dizer-se que “A sorte protege os audazes” e é verdade. Pelo menos connosco bateu sempre tudo certo, avançando para norte sem percalços.
Nova paragem. Desta vez, ao atravessarmos uma aldeia por uma rua estreita, fomos “barrados” por uma procissão que avançava em nossa direcção. Foi um bom pretexto para descansar um pouco. Tirámos os capacetes, encostámos à berma e aproveitámos para fotografar o desfile, com mordomos, andores, banda filarmónica e criancinhas vestidas de anjinhos e Nossas Senhoras. Só mesmo nós é que destoávamos no meio de tanta gente com o “fato de domingo”.
Entretanto íamo-nos aproximando do rio Vouga e em Macinhata do Vouga tivemos o primeiro contacto com o ramal de Aveiro, onde ainda passam comboios. Foi com grande espanto que ao chegar a Sernada, deparámos com uma ponte onde carros e comboio partilham o tabuleiro, um de cada vez, claro! Nesta localidade bem pitoresca, jantámos no bar da estação. Deviam ser quase 20:00 e havia que enganar o estômago. Aproveitámos também para comprar alguma coisa para tomar ao pequeno-almoço.
A estação de Sernada estava cheia de velhas carruagens, completamente “decoradas” com graffitis e com poucos vidros inteiros. Já meio ocultos pela noite que começava a cair, pedalámos pelo meio dessas composições e à saída da estação entrámos numa estrada de alcatrão que só se dá conta que já foi uma linha de comboio, porque, mais à frente, tem uma ponte metálica bastante estreita. Debaixo do IP5 a linha desapareceu completamente mas foi possível encontrá-la de novo e fazer mais algumas centenas de metros em terra.
Surgiu a primeira contrariedade. Depois de atravessar o alcatrão a linha estava cheia de mato e era impossível progredir. Por esta altura já era noite cerrada mas como tínhamos luzes, coletes e reflectores, decidimos seguir por estrada e tentar retomar a linha mais à frente. Um pouco mais à frente o Nuno saiu de repente para a esquerda e eu segui-o meio atrapalhado, conseguindo a proeza de entalar a corrente entre os dois pratos mais pequenos. Poucos metros à frente a linha voltava a estar cheia de mato e aquele pequeno troço apenas servia duas garagens de umas casas que havia por ali. Ali ficámos a resolver a avaria enquanto os cães ladravam e um pouco mais acima, uma voz de mulher meio assustada chamava pelo Carlos (?). Respondemos que não éramos o Carlos e já na estrada com a avaria resolvida ainda ouvimos a senhora a chamar-nos “ – Seus malandros!” e que já tinha chamado a GNR.
A senhora não deve ter ganho para o susto e eu, confesso, não fiquei muito satisfeito com a ideia de ter a Guarda à perna, embora não tendo feito nada de mal. Concluímos que não adiantava continuar e no primeiro corte que descobrimos para o rio, descemos para pernoitar. Numa zona onde o vale é bastante estreito, tínhamos descoberto uma praia de seixo e umas acácias a fazer de telhado. Um verdadeiro hotel de mil estrelas com vista rio e águas correntes. Um luxo! O pior foi ter de adormecer transpirado dentro de um saco cama, por causa dos mosquitos e das melgas. É que apesar de nos termos besuntado com repelente a bicharada não deu tréguas. Até um cão vadio por ali apareceu (ou seria o Nuno a ter visões?). Para completar o quadro, os eucaliptos não pararam de fazer barulho toda a noite sacudidos por forte vendaval. Só faltou chover.

11/07/2005
Carvoeiro (algures na margem do Vouga) - Viseu

Ainda não eram 7:00 e já estávamos novamente à beira do alcatrão. Aproveitámos o facto de haver ali um pequeno estacionamento com uma grande mesa em pedra, para tomar o pequeno-almoço e acondicionar decentemente toda a tralha desarrumada à pressa na véspera. Depois da experiência da noite anterior, decidimos que nesta zona não valeria a pena insistir em pedalar pela linha. Até porque ela estava ali, mesmo encostada à estrada, mas uns metros mais alta. Iniciámos então o nosso dia pedalando por alcatrão, até que um pouco à frente avistámos um grande viaduto em alvenaria, que atravessava o vale para o outro lado. Só podia ser a linha. Na primeira oportunidade saímos da estrada e subindo um pouco lá a apanhámos, mesmo à entrada do tal viaduto. Apesar de ser bem alto, foi atravessado em segurança porque, tirando algumas travessas que ainda resistem ao tempo, parece uma normal ponte rodoviária com o piso em terra. Foi o momento para tirar umas fotos e apreciar a paisagem. Mas o melhor ainda estava para vir.
A partir daqui o eucalipto começou a dar algum espaço a outras espécies bem mais frescas, o piso em terra mantinha-se perfeitamente ciclável e apareceram os primeiros túneis (curtos a não ser necessário utilizar luzes). O vale tornava-se mais largo e começávamos a passar pelo meio de algumas aldeias com campos cultivados. Um regalo para a vista! A partir daqui e até Viseu cerca de 90% do percurso é ciclável.
Com o Sol a apertar, encontrámos uma mercearia onde comprámos fruta. Enquanto comíamos, fomos contemplando à nossa frente uma imponente fábrica de massas alimentares em ruínas, que recebia energia de uma mini-hídrica construída um pouco mais abaixo, no Vouga. Um verdadeiro monumento à nossa indústria, a merecer melhor destino. Lá estavam os enormes silos de cereais junto à estação a deixar adivinhar a importância que a Linha do Vouga teve, no transporte de pessoas e mercadorias.
De vez em quando o mato invadia o percurso e o piso tornava-se muito duro. Tudo em pequenos troços que não dava para nos desanimar. Quando nos aparecia um obstáculo saíamos da linha e poucas centenas de metros mais à frente era possível retomá-la. Encontrámos de tudo a impedir-nos a passagem: casas novas, prédios, aviários, uma Ford Transit ferrugenta, blocos de pedra, campo de futebol, etc.
Numa das várias aldeias que íamos atravessando, encontrámos mais uma mercearia e nova oportunidade para nos refrescarmos, desta vez com um melão. Antes de chegar a Vouzela fizemos a parte mais dura do dia. Tinham andado a cortar as árvores e o percurso estava cheio de ramos. Tivemos de progredir com a bicicleta à mão, debaixo de um Sol abrasador. Mal apanhámos o alcatrão ali ao lado, esquecemos a linha e descemos para o almoço.
Já a pedalar à dois dias, debaixo de muito calor e sem tomar banho, resolvemos almoçar na pequena esplanada de um restaurante, para não estragar o ambiente no interior. O nosso mau aspecto era tal que a senhora que nos atendeu perguntou-nos se não queríamos tomar um duche para ficarmos “mais frescos”. Agradecemos a simpatia mas a hora era de comer e não de nos preocuparmos com “coisas menores”. Definitivamente estávamos num “país diferente”: a dose era a preço de “Mouro” mas enfartava dois “Galegos”. Depois da “vitelinha de Lafões” ainda nos fomos deitar no jardim, por baixo do viaduto ferroviário, mas a visão de tão imponente construção que haveríamos de transpor e o ataque das formigas, rapidamente nos fez pôr de novo em marcha .
Abastecemos de água numa fonte muito antiga e atravessámos a parte antiga de Vouzela, subindo uma rua bastante inclinada até encontrar novamente a linha. Durante estes quatro dias quase nunca comprámos água. Apesar da seca, fomos sempre aproveitando a água das fontes sem que tenhamos sentido qualquer problema de saúde.
De Vouzela para as Termas de S. Pedro do Sul, a distância é curta mas o desnível é acentuado. Como é que isto se fazia de comboio? Simples! Depois de atravessar o viaduto, cruzámos a antiga estação, agora recuperada e transformada em terminal rodoviário. Ali ao lado uma antiga locomotiva a vapor em exposição lembra outros tempos. Depois a linha descreve uma espécie de “oito” num carreiro cheio de pedras que teve de ser feito sempre a travar (?). Uma delícia!
Nas Termas fizemos mais uma paragem para comer um gelado e retomámos o percurso para descer o que faltava até S. Pedro do Sul. A partir daqui até cerca de quatro quilómetros de Viseu, a linha é quase sempre a subir. Primeiro flecte para Sul durante um bocado, para dar meia volta e seguir para Norte, numa direcção paralela mas em cota mais elevada. Curvas e contra-curvas foi coisa que não faltou ao longo deste dia. Nesta zona o percurso é quase sempre em estradão sem vegetação a complicar (à excepção de um pequeno troço onde havia um fogo, antes de chegar a Moçamedes).
Em S. Miguel do Mato passámos ao lado de uma igreja muito antiga (seria um convento?), junto a um cemitério abandonado com vista para um vale profundo, encimado por alguns penhascos. Tudo aquilo ali no meio do nada fez-me lembrar algumas paisagens do Gerês. Mais à frente com a aproximação à cidade de Viseu, a linha começou a deixar de se perceber e satisfeitos com o que já tínhamos feito, pedalámos por alcatrão até à cidade.
Ainda antes de atingir a cidade, após alguma teimosia, dei-me por vencido e resolvi trocar uma câmara que perdia ar. Ainda com dois dias para pedalar era um desperdício deitar fora o líquido selante da câmara rota, ainda por cima porque não o tinha na câmara nova. Nada que não se resolvesse! Cortámos a parte de cima de uma carrapeta e ficámos assim com um pequeno ”tubo roscado”, onde apertámos as válvulas das duas câmaras-de-ar, uma de cada lado. Com as câmaras unidas pelas válvulas, foi só espremer o “sumo” da velha para dentro da nova e recuperámos assim grande parte do líquido selante. Tirando um pequeno contratempo no primeiro dia, também com uma câmara (que até nem foi preciso trocar) e o episódio nocturno da corrente encravada, não houve mais problemas técnicos.
Chegámos finalmente a Viseu onde desta vez dormimos numa residencial com direito a banho, lavagem da roupa suja e garagem para as bicicletas. Nessa noite deu para dormir bem e recuperar as forças para o dia seguinte.

12/07/2005
Viseu – Pomares (sopé da Serra do Açor)

Depois de tomado o pequeno-almoço estávamos como novos, bem dormidos e entusiasmados com a jornada do dia anterior que tinha superado as nossas melhores expectativas. A Linha do Vouga tinha sido percorrida quase na sua totalidade, dando-nos a conhecer a bela região de Lafões. Agora faltava descobrir o que a Linha do Dão tinha para nos oferecer.
Descemos a cidade em direcção à rotunda onde dantes existia a estação. Andámos por ali um pouco perdidos até que encontrámos o armazém das mercadorias, que ainda resiste, ao serviço de uma empresa de distribuição de encomendas. Imediatamente ao lado do barracão seguimos o antigo traçado da linha que seguia pelo meio das casas, atravessando os subúrbios da cidade, sempre num piso liso e rápido. Nem queríamos acreditar: Tínhamos saído de Viseu logo pela linha e ali continuava ela sem dar sinais de querer desaparecer. Pedalámos forte até aparecer aquilo que iria dar o mote deste dia: Uma pequena ponte sobre uma ribeira, com um vão de pouco mais de cinco metros, apresentava como “tabuleiro” duas vigas de ferro afastadas cerca de um metro uma da outra. Tivemos de passar em equilíbrio, com a bicicleta em cima de uma viga e nós a segurar em cima da outra. Fácil! Do outro lado o caminho continuava em bom piso a convidar a pedalar forte.
Atravessámos uma vinha, evitámos um silvado, contornámos o desaterro feito para a construção de duas vivendas e chegámos a uma ponte, ali para os lados de Torredeita. A Ponte metálica tinha um vão e uma altura consideráveis e como “tabuleiro” tinha de um dos lados uns quadrados em cimento de aspecto muito duvidoso e que se moviam quando os pisávamos. Avançámos pé-ante-pé, sempre a contar que uma daquelas placas se partisse. Quando verifiquei, numa que estava partida, que tinham uma malha interior de ferro, fiquei um pouco menos tenso e o meu nível de confiança aumentou. Mesmo assim, só quando ambos nos encontrámos já do outro lado é que respirámos fundo.
Logo mais à frente o mato começou a invadir a linha e para piorar as coisas, neste troço ainda permaneciam os carris e as travessas. Tivemos de avançar lentamente com as bicicletas à mão até sermos barrados pelas obras de construção de uma nova estrada. O alcatrão estava perto e foi por aí que seguimos até voltar a encontrar a linha em Farminhão. Daqui até Tondela foram poucos os desvios que tivemos de fazer, sendo mesmo o maior, a deslocação ao centro da cidade, onde almoçámos numa magnífica esplanada em frente aos Bombeiros.
Depois do almoço e de novo à procura da linha, logo fomos presenteados por uma segunda ponte metálica. Desta vez só tinha mesmo as duas vigas principais. Pelo menos o ferro das vigas era forte e não abanava. Lá fomos devagarinho, com uma mão no avanço da bicicleta e outra no corrimão, um de um lado e outro do outro. Quando estava quase a chegar ao outro lado verifiquei que faltavam cerca de três metros de corrimão. Voltar para trás era impensável e por isso tive de me encher de coragem e avançar em verdadeiro equilíbrio até voltar a ter onde me agarrar.
Daqui para a frente a pedra começou a fazer-se sentir. No início ainda pedalámos em bom piso mas depois as aldeias começam a ficar mais distantes, há menos terrenos de cultivo e a linha parece que só serve mesmo para que alguns malucos como nós por ali passem. Foram alguns quilómetros bem duros, sempre a chocalhar e a rezar para que nada se partisse. Numa das paragens que fizemos, aproveitámos para nos refrescarmos com a água que saía de uma mina e que corria por um rego até umas manilhas, donde depois se regava uma horta. Se era própria para consumo? Não sabemos. Mas que soube bem, soube!
O rio Dão fazia a sua aparição, largo, açudado pela Barragem da Agueira alguns quilómetros mais abaixo. No ar várias aves de rapina voavam e piavam ao sabor da brisa quente. O Nuno ainda sugeriu uma banhoca mas ao aproximarmo-nos da água, rapidamente desistimos. Entretanto faltava pouco para chegar ao fim da linha em Santa Comba Dão e como era cedo tínhamos de decidir o que fazer. Até porque, ao chegarmos à ponte que atravessa o Dão, verificámos que era completamente impossível a travessia. A ponte é muito comprida e só tem as vigas. Seria de loucos tentar fosse o que fosse.
O desejo da banhoca deu o mote. Em Pomares existe uma bela praia fluvial com um parque de campismo do melhor que conheço. O Nuno “deu corda” ao GPS e poucos segundos depois ficámos a saber que quarenta quilómetros de estrada nos separavam dessa aldeia no sopé da Serra do Açor. Vendo que tínhamos tempo para lá chegar demos por terminada, ali à entrada da ponte, a nossa viagem de “comboio”. A pequena distância que nos separava de Santa Comba foi percorrida primeiro por um caminho de terra que parecia não parar de subir e depois por alcatrão, novamente pela margem do Dão.
Atravessado o Dão, subimos, para voltar a descer à mesma cota, mas desta vez para atravessar o Mondego. Nova subida até Tábua e depois, embora mais suave, sempre a subir até à EN 17. Pedalámos um pouco nesta via até que virámos à direita e sempre a descer alcançámos o rio Alva na localidade de Avô. Cerca de quatro quilómetros, pelo vale da Ribeira de Pomares nos separavam do nosso destino.
Mal chegámos, parámos no café para encomendar o jantar e fomos ao parque de campismo para fazer a inscrição. Tudo muito rápido porque a água da ribeira esperava por nós. Finalmente um mergulho e umas braçadas por baixo da ponte romana. Não fora a água estar gelada e se calhar ainda lá estaríamos. Sem dúvida um local a visitar. Nessa noite dormimos sob a copa das tílias do parque, sem mosquitos nem formigas. Antes de adormecer, disse ao Nuno: “- Amanhã estamos em Leiria”. Ele resmungou qualquer coisa que me recuso traduzir e ainda tive tempo de ouvir uns campistas a dizer. “- Aqueles tipos vão dormir ao relento!”. E que bem que dormimos!

13/07/2005
Pomares – Leiria

Havia que tomar uma decisão. Ou seguíamos pelo vale do Alva, ou subíamos a serra e pedalávamos pela cumeada até Gois. Ainda não sabíamos qual o destino a atingir neste dia, apenas que pedalaríamos em direcção a Leiria. Até porque o meu companheiro estava com uma “impressão” no joelho. Enquanto tomávamos o pequeno-almoço, decidimos que a volta pela serra seria mais interessante. Comprámos alguma coisa para o almoço, carregámos com água (da fonte) e seguimos serra acima. Pelo caminho íamo-nos distraindo com a beleza das aldeias e suas casas em xisto e com o flagelo dos incêndios que deixam grandes manchas a preto e branco. Chegados à estrada que liga Coja ao Piodão, pudemos verificar que a Mata da Margaraça ainda não tinha ardido, embora o fogo tenha andado perto.
Atingido o ponto mais alto desta estrada, virámos para Oeste e demos início a um sobe e desce pela cumeada da serra. Passámos junto a um posto de vigia, cruzamo-nos com vigilantes do ICN num carvalhal e almoçámos num parque de merendas, junto a um local onde se concentravam meios de vigilância da área protegida da Serra do Açor.
Da parte da tarde a coisa complicou-se. Logo a seguir à paragem do almoço fizemos uma subida em terra como ainda não tínhamos feito nestes dias. O Sol a pino e a ausência de sombra aumentavam a dificuldade e ainda por cima a neblina não deixava alargar a vista pelo horizonte. Já por aqui tinha passado (vindo de Linhares da Beira, aquando dos primeiros reconhecimentos para a elaboração da Rota das Aldeias Históricas) e a paisagem que se avista num dia limpo é indescritível. Basta lembrar que estamos na cumeada de um conjunto de serras que “cortam” o país ao meio: o sistema Montejunto-Estrela. Lá se fez a subida, seguida de uma descida muito comprida e depois de passar um tanque de água apareceu uma nova “parede” maior que a anterior. Depois de superadas estas duas subidas é que verificámos que afinal não eram nada de especial e que nós é que andávamos há três dias mal habituados, a viajar de “combóio”.
Ainda nos cruzámos com uma vigilante que, do cimo da sua torre, nos cumprimentou e iniciámos uma descida vertiginosa até Gois, de que só me lembro de uma zona onde o piso estava coberto de algo avermelhado. Mais tarde, entre Gois e a Lousã, pude verificar que se tratavam das vagens secas das sementes das acácias. São milhões os pequenos grãos pretos que ficam a cobrir as bermas da estrada entre estas duas localidades, depois das vagens voarem com o vento.
Em Gois fizemos uma paragem numa esplanada à beira do rio Ceira. Ainda não eram três da tarde e a “impressão” no joelho do Nuno não passava disso mesmo, uma impressão. A partir daqui e quase sem darmos conta, foi quase um contra-relógio até Leiria. Sempre por alcatrão chegámos à Lousã, onde fizemos nova paragem para mais um gelado. Miranda do Corvo ficava logo à frente e ao seguirmos o rio Dueça ou Corvo, sem subir e num piso a pedir roda fina, passámos Penela quase sem dar conta. Chegámos à zona do Sicó que nos convidou a deixar o asfalto e percorrer alguns quilómetros de terra até perto de Lagarteira.
Com Ansião logo ali à frente ficou claro que este dia terminaria em Leiria e seria o último desta aventura. Jantámos cedo em Ansião e eram oito horas quando nos pusemos de novo ao caminho. Ainda fizemos um bocado de terra antes de Santiais onde já chegámos de noite. Albergaria-dos-Doze, Memória e Caranguejeira foram sendo alcançadas uma a uma, até que em Leiria, frente ao ferro-velho nos separámos. Cheguei a casa por volta das onze da noite ainda incrédulo com a etapa que tínhamos feito neste dia.
No final fizemos cerca de 510 quilómetros e 5700 m de desnível acumulado. Para o ano quero repetir, hajam compreensão familiar, pernas e companhia.
E tu? Do que é que estás à espera?

1 Comments:

Blogger Pedro Cruz said...

Caro companheiro,

Encontrei este vosso relato quando procurava por tracks gps da linha do dão.. Em primeiro lugar os meus parabéns pela aventura!

Gostaria de saber se têm por aí o track que me pudessem enviar para o btt.albergaria@gmail.com . Se fosse possivel era excelente.

Abraço e boas pedaladas,
Pedro Cruz - BTT Albergaria

7:11 AM  

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