"Peregrinação" a Portalegre
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Na terceira edição da maratona de Portalegre, chegava-se ao ponto mais alto por volta dos 60 km. Cheguei aí já um pouco gasto mas (ignorando estupidamente o gráfico de altimetria, fornecido antecipadamente pela organização) convicto que os restantes 40 km seriam "canja", limitando-se a aproveitar o desnível que nos separava da chegada. Rapidamente a forte descida me fez temer o pior. Ainda insisti em fazer a subida seguinte montado (burro!) e quando dei por mim estava junto a umas pequenas lagoas, agarrado à bicicleta cheio de câimbras, sem conseguir dar um passo. Nesse momento apercebi-me de que afinal não era assim tão divertido participar na maratona. Estava para ali empenado, sem saber dos meus colegas, num local que já começava a ser por mim conhecido. Decidi que não mais voltaria a Portalegre. Puro engano!
Das três vezes que me desloquei a Portalegre para participar na maratona, fui sempre de véspera. O ambiente vivido na cidade na Sexta-feira à tarde com a chegada de muitos participantes foi o que sempre achei mais divertido. Num ambiente de puro convívio, o final da tarde e a noite eram momentos para rever amigos de outras paragens e pôr a conversa em dia. Houve um ano em que até visitei a Selenis, onde vi transformar garrafas de plástico (PET) em fibras texteis.
O ano passado não participei na maratona pelos motivos que já descrevi.
O ano passado tive pena de não ter ido a Portalegre pelas razões que também já apontei.
Este ano fiz o "três-em-um": Cheguei a Portalegre na Sexta-feira à tarde e vi a partida da maratona no Sábado, pedalei mais de 400 km e finalmente não empenei.- Como é que é isso? Perguntam vocês.Isso vou eu contar-vos de seguida.
Primeiro foi preciso "convencer" o meu parceiro incondicional dos passeios em autonomia a gastar dois dias de férias para pedalar até à cidade da Maratona, assistir à partida e gastar os dois dias do fim-de-semana para regressar a Leiria. Não imaginam o que me custou conseguir convencê-lo (eh! eh!). Depois desafiei os meus companheiros das voltas domingueiras e houve três que disseram presente (dois acabaram por desistir da ideia). Finalmente lancei o desafio na Velocipedi@ de "peregrinarmos" até Portalegre, cada um saindo da sua terra e quem sabe engrossar um pelotão a caminho da Maratona. O desafio, um tanto ou quanto utópico, encontrou adeptos lá para o Norte. O Team "Tamo Junto" e a "Armada" famalicense também andavam com umas ideias e depois da troca de algumas mensagens e telefonemas, a viagem ficou assim alinhavada:
- Os dois grupos do Norte arrancavam na Quarta-feira do Porto com destino a Penela.
- Na Quinta-feira saíamos de Leiria e algures pelo caminho haveríamos de nos juntar aos nortenhos para juntos fazermos a travessia do Tejo.
- Na Sexta-feira chegávamos cedo a Portalegre..
- No Sábado e Domingo regressávamos a Leiria.
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Quinta-feira, 04/05/2006
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Tal como combinado, saí de casa e pedalei até me juntar ao Nuno ao pé da escola de enfermagem. Subimos os dois até aos Pousos onde já nos esperava o Fernando. Eram 8:00 quando os três demos início a esta aventura. Tínhamos como objectivo chegar a Vila de Rei a horas de almoçar, nem que fosse um almoço tardio. Aí chegados estaria vencida a parte mais difícil deste primeiro dia e de tarde "bastaria" descer até ao Tejo para o atravessar e passar a noite algures já na margem sul.O Nuno tinha desenhado um percurso que tentava ao máximo seguir as linhas de água e assim evitar as subidas. Resulta (quase) sempre!
Os primeiros quilómetros foram feitos na movimentada EN 113. Depois entrámos no paraíso das estradas secundárias pelo meio das aldeias. Na zona de Caxarias encontrámos as famosas setas amarelas, pintadas sobre um fundo branco. Já sei que quando quiser ir a Santiago, posso ir aqui perto apanhar as setas amarelas. Pelo meio dos campos agrícolas chegámos ao rio Nabão e do outro lado fizemos as primeiras subidas do dia, numa paisagem de calcário, a fazer lembrar uma serra aqui ao lado (PNSAC). Entretanto umas nuvens ameaçadoras seguiam-nos, primeiro ao longe (mais tarde fiquei a saber que a essa hora choveu a sério em Leiria) e depois mais perto mas de raspão, mesmo assim com alguns pingos a acertarem-nos. Aproveitámos para parar num café e petiscar qualquer coisa. O mau tempo foi-se embora e nós continuámos a pedalar ,desta vez subindo para Ferreira do Zêzere, onde chegámos cedo.
Daqui até ao rio Zêzere é praticamente sempre a descer (e de que maneira!), o pior é que chegados ao outro lado, uma subida equivalente tem de ser feita para chegar a Vila de Rei. Estávamos nós em cima da ponte a tirar umas fotos quando me liga o "capitão" Moniz e me diz que está em Ferreira do Zêzere. Pensei para mim que até estávamos a andar bem e que seguiríamos juntos com eles a partir dali. A meio da subida fomos ultrapassados por um jipe laranja com um quiosque atrelado e a malta lá dentro a cumprimentar-nos. Espera lá! É o carro de apoio dos nortenhos. E...espera lá outra vez! Os tipos não devem vir com alforges! Certamente vêm leves e trazem a tralha no quiosque. Gaita! Assim não dá para conseguir acompanhá-los.
Mal parámos para tirar umas fotos, e eis que se aproxima um ciclista numa BTT com roda fina e uma bandeirinha. Depois outro e mais dois e por fim lá estavam todos, levezinhos e de roda fina. Um contraste quando comparados com as nossa burras, carregadas com o mínimo indispensável a uma jornada destas. Depois dos cumprimentos da praxe, seguimos juntos até Vila de Rei que já estava perto e parámos no primeiro café que encontrámos. Alguém informou o grupo que seria uma paragem de meia hora e que depois partiam. Decididamente este não era o nosso programa. Queríamos comer descansados e não iríamos conseguir acompanhar o ritmo deles que estavam com uma configuração nas bicicletas bem diferente da nossa. Pedi ao "capitão" Moniz que quando fizessem a travessia do Tejo, avisassem que haveriam mais três ciclistas para passar, despedimo-nos "até já" e procurámos um restaurante.
Vila de Rei estava virada do avesso. Todas as ruas estavam em obras e não havia ponta de alcatrão. Demos uma volta e lá encontrei um restaurante onde já tinha almoçado quando participei nas "24H de vila de Rei". O que estava a sair era frango assado, que comemos acompanhado de uma boa salada e regado com cerveja (houve quem bebesse Ice Tea mas revelar nomes seria uma inconfidência). Cerca de uma hora depois arrancámos em direcção a Amêndoa. Antes de chegar a esta localidade fizemos alguns bocados em terra e numa das vezes entrámos num caminho sem saída mas com o alcatrão ali à vista. Lá tivemos de carregar com as bicicletas à mão e castigar as pernas no mato. De volta ao alcatrão, reparámos que nesta zona, bastante fustigada pelos fogos nos anos anteriores, se arranjaram ou fizeram de novo, caminhos florestais devidamente assinalados por placas com indicação do nome do caminho, pontos ligados e distância do mesmo. Foi por um destes caminhos que chegámos a um lugarejo chamado Pracana da Ribeira onde corre a ribeira da Pracana. Foi um dos momentos altos do dia, acompanhar o pequeno curso de água durante alguns kms por um caminho de terra cinzenta, talvez da cinza dos incêndios. Noutra localidade parámos para fotografar uns curiosos feixes de palha e logo um velhote meteu conversa. Por ele ali tínhamos ficado toda a tarde na conversa.
Depois de Envendos atravessámos a A23 e antes de descer para o Tejo resolvi telefonar ao "Capitão" da Armada famalicense para saber se tinham avisado que também íamos atravessar e se teria ficado alguém para nos passar. Se já não fosse possível atravessar por ali, evitávamos a descida ao Tejo e... pior, a respectiva meia volta pelo mesmo caminho mas com inclinação inversa. Seguiríamos então para a Barragem da Pracana e depois atravessaríamos o Tejo pela Barragem do Fratel.Qual não foi o nosso espanto quando do outro lado ele me respondeu que estavam a atravessar. Então estes gajos ainda ali iam, levezinhos, de roda fina, a fazer paragens de meia hora, se calhar a pedalar sempre em alcatrão e só estavam ali à nossa frente? Rapidamente iniciámos a descida que nos levaria a S. José das Matas, onde um grupo de idosos sentados por ali à sombra, nos avisava que por ali não tinha saída. Eles bem acenavam na tentativa de nos poupar a subida de volta mas nós tínhamos tudo combinado e lá em baixo alguém nos passaria para o outro lado.
A visão do rio Tejo foi de grandeza, primeiro pela dimensão do vale e depois pela impressionante massa de água que corria rio abaixo. Enquanto descíamos pudemos ver do outro lado o numeroso pelotão que iniciava a subida para Amieira do Tejo. Do lado de cá, na margem, uma "casca de noz" aguardava a nossa chegada. Atravessámos a Linha da Beira Baixa e antes de chegar ao barco ainda deu para ver, ali no meio das silvas, uma grande jangada que terá servido para passar automóveis: a antiga "Barca da Amieira-Envendos". À nossa espera tínhamos dois "marinheiros" na casa dos sessentas, que tinham acabado de fazer umas três travessias (ida e volta) a passar os nossos companheiros da "Armada" e "Tamo Junto". O barco não tinha mais de três metros de comprimento e... era a remos. Perante a nossa desconfiança, "animaram-nos" dizendo que a barragem do Fratel devia ter todas as turbinas a funcionar, que o rio ali era muito fundo e que já ali tinham morrido uns quantos. Muito animador! Confesso que se não tivesse visto os nossos companheiros do outro lado dificilmente acreditaria que tal embarcação nos poderia levar ao outro lado em segurança. Lá fomos os cinco com a proa sempre virada a montante e a força da remada só dava para manter o barco no mesmo sítio e não ir rio abaixo. Quando chegámos ao outro lado os velhotes pareciam afinal mais jovens, o barco maior e o Tejo um rio calmo e vulgar. Uma nota das pequenas foi quanto resolvemos pagar pela travessia. Como bónus foi-nos oferecida boleia no "Dumper" da Junta de freguesia, que de imediato rejeitámos. Se o arrependimento matasse!... Os quilómetros já pesavam nas pernas e a subida parecia não querer acabar. Valeu a paisagem com as encostas cobertas de flores amarelas e azuis, sobreiros e o Tejo ao fundo escapando-se pelo vale.
Amieira do Tejo é uma terra bem engraçada. De um lado o castelo e do outro uma igreja encimada por um ninho de cegonhas. O casario predominantemente branco com chaminés largas, alinhadas umas com as outras, lembra-nos que chegámos ao Alentejo. Parámos na esplanada de um café para comer e beber qualquer coisa. Estava-se bem por ali mas como ainda era cedo resolvemos avançar para Nisa, onde os restantes peregrinos estariam a chegar e onde ficariam instalados. Até lá seguimos por estrada e em Arez ainda nos cruzámos com o jipe de apoio com o tal quiosque atrelado. A viagem do Porto a Portalegre até pode ter sido divertida para a tripulação de tão estranho conjunto, uma vez que foi feita por etapas e a acompanhar os colegas pedalantes. Agora, imaginem a seca que terá sido o regresso.
Chegámos a Nisa e demos logo com um grupo de "arrumadores" a desatrelar e estacionar o quiosque. Na Residencial onde iam ficar já não havia lugar e disseram-nos que dificilmente arranjaríamos dormida. Ainda batemos em mais duas portas mas sem sucesso: Tudo cheio! Decidimos então ir jantar de modo a retomar a estrada ainda de dia e procurar um canto para passarmos a noite. Não foi fácil. A estrada que liga Nisa a Castelo de Vide (pela Barragem de Póvoa e Meadas) tinha vedações em quase toda a sua extensão. Foi com alguma sorte que encontrámos uma brecha, numa zona com vegetação mais densa, onde encontrámos o local ideal para passar a noite sem dar nas vistas. Estendemos as colchonetes, enfiámo-nos nos saco-cama e tentámos ignorar o barulho dos grilos, das rãs que coacharam toda a noite, dos cães que ladravam ao longe e de uma ou outra vaca que de vez em quando se lembrava de mugir. Estava uma noite sem nuvens e uma temperatura agradável.
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Sexta-feira, 05/05/2006
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Acordei cheio de frio, ainda o sol não tinha nascido. O nevoeiro tinha caído durante a noite e à nossa volta tudo estava molhado, incluindo os nossos saco-cama e tudo o que na noite anterior tínhamos deixado por ali espalhado, sapatos, roupa, etç. Nada havia a fazer senão tentar dormir mais um pouco e esperar pelo raiar do Sol para ver se dava para secar um pouco toda aquela tralha. Tudo em vão. Os três já estávamos acordados e o conforto do "quarto" não convidava a ficar na preguiça. Entretanto o Sol, embora forte ainda, estava muito baixo e não conseguia romper a névoa com a intensidade desejada. Decididamente não íamos ficar por ali mais tempo. Arrumámos tudo e partimos em direcção a Castelo de Vide para tomar o pequeno-almoço. Pelo caminho passámos junto à barragem de Póvoa e Meadas (onde vive uma certa cobra de água ;-)) e quando subíamos para Castelo de Vide, o Sol começava a bater forte. Depois de pedalar por algumas vielas da localidade, procurámos a sombra de uma esplanada onde calmamente tomámos o pequeno-almoço. Eram 9:30, Portalegre ali ao lado e nós com o dia inteiro para lá chegar. Decidimos que não iríamos directos para a cidade da Maratona, mas antes daríamos uma "voltita" pela serra.
De volta à estrada, chegámos à Portagem por aquela estrada junto ao campo de golfe, ladeada por árvores com os troncos pintados de branco. Lá em cima, Marvão convidava a uma visita mas a opção foi seguir para Porto de Espada e continuar pelo vale até à fronteira. Por esta altura o Fernando dissipava todas as dúvidas relativamente à companhia que tinha arranjado: dois tipos que tudo faziam para descobrir o pior e mais longo caminho para chegar a Portalegre. Ele bem tentou dissuadir-nos mas não teve hipótese.
A estrada que segue de Porto de Espada até Rabaça, na fronteira, tinha um piso novo onde rolámos bem. Do nosso lado direito, a Serra de S. Mamede ia ficando mais baixa mas também nós, ao descer o vale, íamos ficando mais baixos mantendo-se assim o desnível em relação ao topo (protestos, adivinhem de quem). Chegámos finalmente a Rabaça, que não é mais do que meia dúzia de casas nas traseiras da serra. O bom piso acabou e começámos a fazer a primeira e maior subida da manhã. Para mim era a primeira porque eu já por ali tinha andado e sabia que haveríamos de fazer mais duas. Fechei-me em copas para não desanimar o Fernando. Se já uma vez ali tinha passado de baixo de chuva miudinha, agora sob forte calor não era mais fácil. Fomos fazendo algumas paragens, uma das quais para tirar uma foto a um marco de fronteira, ali a meia dúzia de metros da berma da estrada. Finalmente o topo e a vista de mais um vale que havia que transpor. Passada a aldeia de Soverete, com o seu vale cheio de hortas e onde a ribeira ainda leva bastante água, voltámos a subir (desta vez menos) até descer novamente para Montinho. Um dos meus companheiros (adivinhem quem) já tinha esgotado todo o tipo de protestos que se possam imaginar e por isso já não dizia nada quando subíamos novamente, desta vez para passar a última elevação antes de Alegrete. Urra e o restaurante "O Álvaro", estavam agora mais perto, mas antes de chegarmos a Caia foi preciso fazer uma paragem para o Fernando verificar no PDA, onde levava todas as cartas militares do percurso, que não lhe estávamos a mentir e que a Urra era mesmo ali perto. Ficámos ali na sombra de uma paragem à conversa com um velhote que esperava o autocarro, enquanto o Fernando concluía que afinal não estávamos a mentir. Confesso que àquela hora, também eu já estava cheio de fome e deserto para encostar a bicicleta a um canto. Ainda por cima já salivava a pensar na tomatada de pézinhos. À saída de Caia uma longa recta levou-nos a uma rotunda e um pouco mais à frente chegávamos a Urra. Eram 14:00 quando nos sentámos para almoçar e quando finalmente "alguém" ficou com cara de mais bem disposto.
Das iguarias que degustámos nem vale a pena falar. Uma nota só para a simpatia do Sr. Álvaro com quem estivemos à conversa e especialmente para o "néctar" que acompanhou a refeição. À saída O sentido de orientação era tal que cada um queria seguir por uma direcção diferente. Lá acabaram por nos indicar a estrada para Portalegre, mas rapidamente tomámos consciência (?) que o melhor era sair do alcatrão e procurar um caminho de terra. A moral estava de tal modo elevada que não foi preciso mapa nem GPS, na primeira oportunidade virámos à esquerda e pouco depois estávamos a pedalar com erva pela cintura onde se escondiam algumas poças de água. Mais à frente entrámos num caminho que já tinha feito numa das primeiras Maratonas e por aí chegámos a Portalegre.
Para quem estava às 9:30 em Castelo de Vide, nada melhor que fazer 84 km para chegar a Portalegre. Juntámo-nos aos nossos companheiros "nortenhos" na sede de uma associação, cujo salão estava transformado em oficina onde se preparavam as máquinas para a maratona do dia seguinte: Mudavam-se pneus, cassetes e até se "atestava" um amortecedor traseiro com... água. Tomámos um banho e fomos até ao centro da cidade para jantar. No regresso fomos até ao NERPOR onde estava o secretariado da prova e onde àquela hora já cheirava a Maratona. Nessa noite dormimos debaixo de telha, sem nevoeiro nem barulho. Um luxo a contrastar com os restantes companheiros que nas noites anteriores tinha dormido em residenciais e hoje tinham o chão de madeira como cama.
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Sábado, 06/05/2006
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Alvoraaaaaaaaaada!
A minha primeira preocupação era arranjar um local para tomar o pequeno almoço. Saí para a rua e no café que ficava logo ali por baixo ainda não havia pão. Voltei para arrumar a tralha e saímos todos já preparados, uns para irem fazer a Maratona e nós para ver a partida e regressar a casa. Entretanto o pão já tinha chegado e instalou-se a confusão no café com vinte e tal tipos famintos a quererem ser atendidos em primeiro. Da nossa parte não havia pressa, não tínhamos hora marcada para nada.
Depois de ter sido dado o tiro de partida, às 9:00 em ponto, estivemos vinte minutos a ver passar ciclistas até que por fim lá passaram as ambulâncias que fechavam o pelotão. Era a nossa deixa para iniciar o regresso a Leiria. Pedalámos pelo meio de um trânsito completamente engarrafado em direcção à praça de touros onde entrámos em terra. Uma longa recta levou-nos pelo meio dos campos até á ribeira da Seda (as vezes que esta ribeira já se atravessou no meu caminho!). Do outro lado, sempre em estradão seguimos em direcção ao Crato. Numa das fotos que tirámos neste local, ia eu e o Fernando lado a lado, eu de camisola azul e ele de amarelo. Do meu lado os campos tinham flores azuis e do lado dele amarelas. Foi um "postal" bem apanhado pelo Nuno. Por fim chegámos à estrada que liga o Crato a Alter do Chão. Em frente uma placa indicava o "Caminho de Marrocos", mas alguns metros à frente percebemos que não queríamos ir para o norte de África e voltámos atrás. Pedalámos um pouco pelo alcatrão em direcção a Alter e tomámos o "caminho do Murtal". Não "murremos", pelo contrário! Estendiam-se à nossa frente quilómetros e quilómetros de caminhos pelo meio dos campos. Tivemos de passar novamente a ribeira da Seda, desta vez com mais caudal e passando num vale mais fundo. Do outro lado outra vez trilhos e mais trilhos, em forma de carreiro ou estradão, com mais ou menos chaparros e algumas linhas de água para a travessar. Numa delas, depois de inspeccionar o terreno à volta, eu e o Nuno concluímos que o melhor seria tomar balanço e atravessar. Quando já estávamos os dois do outro lado, com os pés e os alforges molhados, heis que o Fernando vira à direita pelo meio da erva alta e depois de algumas passadas aparece ao pé de nós sorridente. "- Então não viram ali a tábua?". Na ribeira seguinte de nada lhe valeu explorar as redondezas, teve mesmo de molhar os pés.
Aproximava-se a hora de almoço. Depois de termos passado pelo meio de um rebanho entrámos numa zona de eucaliptos e a navegação começou a complicar-se. Após alguma indecisão deixámos ser o Fernando a escolher o caminho a tomar. De repente num cruzamento não ganhei para o susto: uma família de javalis, entre adultos e juniores, passeava-se por ali. Sem se dar conta desapareceram sem deixar rasto. Ainda andámos por ali pelo meio dos eucaliptos até alcançar a estrada de alcatrão ali à entrada de Ponte de Sôr. Desta vez não houve discussão e fomos direitinhos ao restaurante. Como já era tarde (os clientes do almoço já tinham saido) , o dono deixou-nos entrar com as bicicletas e assim almoçámos descansados com as binas encostadas à arca dos gelados.
De tarde, atravessámos a cidade e entrámos novamente em terra. Primeiro um pequeno engano por um caminho bem agradável mas que não tinha saída, depois voltando para trás, por um outro que nos levaria por alguns quilómetros até ao alcatrão, com passagem pelo Monte Velho. Rapidamente voltámos à terra e em Água Travessa encontrámos uma Quinta transformada em hotel rural. Havia uma grande lagoa com ilhas que tinham uma espécie de "bungalows". Tudo muito bem arranjado a convidar a uma visita em família. Numa mercearia o Nuno aproveitou para comprar pilhas para o GPS. De novo a pedalar entrámos num estradão bastante largo, que limita a sul o campo militar de Sta. Margarida, onde andavam a marcar com fitas uma prova de todo-o-terreno. Parecia que não tinha fim: terra avermelhada com algumas poças de água, chaparros de um lado e de outro e o Sol de frente a baixar no horizonte. No mapa este caminho de terra seguia até ao Tejo mas no terreno o alcatrão apareceu mais cedo, ali no cruzamento para Semideiro e acabou com a terra de uma vez por todas.
A esta hora e quase a atingir o Tejo, o nosso pensamento já estava em casa. Mesmo antes de o decidirmos em conjunto, cada um de nós já tinha como certo fazer a jornada seguida até Leiria. A vontade de chegar superava a racional gestão do esforço. O alcatrão novo e a ausência de viaturas fez-nos pedalar acima do aconselhável e atingir rapidamente Carregueira, Pinheiro Grande e por fim a paragem para jantar na ponte da Chamusca. Tivemos de comer bitoque que era o que havia.
Quando saímos do restaurante era noite cerrada. Montámos todos os artefactos de que dispúnhamos para sermos vistos na estrada: Coletes reflectores, frontais e mais uma série de "luzinhas pisca-pisca" que nos faziam parecer uma árvore de Natal. Mal comecei a pedalar dei por mim a tremer de frio. Pensei que era por ter estado parado a jantar e que com mais algumas pedaladas a coisa aquecia. Isso só aconteceu um bocado mais à frente, antes de Torres Novas mas à medida que a hora avançava tambéo o frio aumentava. Da cidade do Almonda até ao sopé da Serra D'Aire foi um sofrimento. A estrada plana obrigava a um pedalar constante e nestas condições o selim "queimava". Fui-me distraindo tentando dar com o início/fim de alguns trilho que por ali tinha feito nos famosos passeios que eram os "Comboios Fantásticos".
No Pafarrão o Nuno foi-se embora serra acima, o Fernando já só ali estava de "corpo presente" e eu pouco mais conseguia que "velá-lo". Mesmo assim seria menos doloroso subir ao meu ritmo do que acompanha-lo e passar mais tempo sentado. Avisei-o que ia andando e arranquei. Enquanto a subida se fez em zona abrigada só se teve de vencer a gravidade. O pior foi quando no primeiro gancho à direita o vento saiu lá de não sei de onde e me fez andar aos SSS na estrada. Ainda metade da subida não estava feita e agora ainda tinha que gramar com o vento até lá acima!
Eram para aí 23:30 quando o Fernando se nos juntou, ali ao lado da pedreira do Galinha (Monumento Nacional das Pegadas de Dinossauros). Eu já estava novamente gelado e ainda por cima íamos arrancar a descer. Alguns grupos de peregrinos a pé foram-se metendo connosco ao longo da estrada, em especial por causa das luzes fora do comum. Entretanto estávamos quase a entrar em Fátima e não sei se por causa do frio, do empeno ou das duas coisas, aceitámos a sugestão do Nuno em irmos por uma estrada que "atalhava". Uns quilómetros à frente eu já estava pior que o Fernando, no dia anterior em plena Serra de S. Mamede. O que valeu é que já nem havia força para protestar. Chegados à Loureira (que fica num alto), cada um começou a traçar o melhor percurso para chegar a casa sem ter de subir. Para mim era mais "não ter de descer", tal era o frio, mas não tinha alternativa e lá fomos a bater o dente em grande velocidade até ao Soutocico onde nos despedimos do Fernando, que seguiu para os Pousos. Mais abaixo, deixei o Nuno que seguiu para Leiria e continuei a descer (#$&##») até às Cortes onde finalmente pude subir para a minha casa na Barreira.
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Dados GPS (N. Neves)
Inicio: 07:45, 04/05/2006
Fim: 00:44, 07/05/2006
1º dia 151 km 20% terra
2º dia 84 km 2% terra
3º dia 191 km 60% terra
TOTAL 426 km
Acumulado positivo 4976m
Elevação máxima 709 m