Pedalando por aí

Relatos de pequenas aventuras, pedalando pelos "maus" caminhos de Portugal

Tuesday, August 28, 2007

Beira Alta


Foram quatro dias pedalando 396 km por terras da Beira Alta.
Para já ficam as fotos tiradas pelo Nuno, o relato fica prometido para mais tarde.

Wednesday, July 26, 2006

"Sabor a Tua"

Clique aqui para ver todas as fotos (by Nuno Neves)

Foi mesmo um sabor a Tua! Tinhamos previsto para estes quatro dias, fazer a totalidade da linha do Sabor e a parte desactivada, entre Bragança e Mirandela, da linha do Tua. Desta última só tivemos mesmo direito a um pequeno sabor, uma vez que a presença dos carris impediu-nos de progredir em grande parte do percurso que tinhamos inicialmente previsto. Desanimados? Nem por isso! Foram, mais uma vez, quatro dias de muito calor, muito esforço mas muiiiiito gozo!

Fomos de carro de Leiria a Torre de Moncorvo, onde pernoitámos numa residencial, que por sorte tinha um estacionamento privativo onde nos foi permitido deixar o carro, durante estes dias que andámos a pedalar. Depois do jantar, fizemos uma caminhada até à antiga estação, para ver onde seria o ponto de partida da manhã seguinte. Logo para surpresa encontrámos uma placa a indicar "Ecopista" e mais à frente um senhor que estava por ali a apanhar o fresco da noite, indicou-nos a entrada para essa via. Estivémos por ali um bocado na conversa e ficámos a saber que do Pocinho até ali a Moncorvo, ainda havia carris na linha. Ficava assim de fora a possibilidade de fazer no último dia, a ascenção a Torre de Moncorvo pelo traçado da linha, desde o Pocinho.

22/07/2006

Saímos da residencial em direcção à ecopista. Lá estava ela, logo a seguir à estação, com o piso em macadame e ladeada de postes em madeira. Mais à frente havia um local mais largo com uma vista magnifica, um banco para descansar e suportes para estacionar as bicicletas. A Ecopista durou para aí uns 8 km, até perto de Carvalhal onde pudemos constatar a degradação a que chegaram todas as infraestruturas de apoio: estação, depósito de àgua, armazém de mercadorias, sanitários, etc.

A partir daqui o piso manteve-se ciclável, primeiro contornando um monte que era quase um cone perfeito e depois pelo meio de matos e alguns campos cultivados. Em Carviçais pedalámos pelo alcatrão, uma vez que o canal da linha lhe é paralelo e desapareceu quase por completo. Só que à saída da aldeia o alcatrão começou a fazer "cócegas" e lá voltámos a pisar aquele cascalho grosso, com vista para a estrada ali ao lado.

A partir da estação de Freixo de Espada à Cinta a coisa começou a complicar-se. o calor fazia-se sentir e o canal da linha começou a ficar cheio de estevas. Ainda teimámos durante alguns metros mas rapidamente chegámos à conclusão que o melhor sería procurar caminhos alternativos. Não foi difícil! Progredimos assim até Fornos, sempre com a linha ali por perto. Como nesta localidade não encontrámos restaurante, asfaltámos até Lagoaça (único local que encontrámos onde o edifício da estação foi recuperado) e parámos numa bomba de gasolina para almoçar. A melhor imagem que posso dar do nosso estado àquela hora, é a rapidez com que a travessa de bacalhau à Brás e salada de tomate, desapareceu da frente do meu companheiro. Quando estava a tentar perceber como é que ele tinha "aviado" tão rápido tal refeição, ele exclama:

-Porra! Estive a comer com dois garfos!

Depois de almoço entrámos novamente na linha, no local onde ela atravessa a estrada. Fomos alternando entre a linha e caminhos agrícolas até que ao fundo de uma longa recta, enquanto dava um pouco de ar a uma roda, aquilo que ao longe se assemelhava a um monte de brita, parecia querer barrar o caminho. O monte de brita afinal não era mais que enormes blocos de pedra extraídos de uma pedreira ali ao lado. Tivemos de inventar caminho onde não o havia até retomar novamente o nosso objectivo.

A primeira aldeia que encontrámos depois do almoço foi Vilar de Rei. Chegámos pelas traseiras e surpreendemos uma avó a enfiar um prato de papa a um neto que já quase tinha idade para comer um casqueiro e beber uma mini. É claro que o garoto ficou um bocado envergonhado mas perante "aquela" avó não teve outro remédio senão devorar a papa toda. Metemos conversa e tivemos direito a uma garrafa de 1,5 lt de água em gelo. O avô do garoto disse que pelo menos daria para uns quilómetros. E deu! na estação de Mogadouro ainda tinha gelo na garrafa.

Aqui, na estação de Mogadouro, existem silos da EPAC e alguns armazéns (fechados) de empresas de adubos sementes e outros produtos usados na agricultura. A estação e os restantes edifícios de apoio estão a caír.

Mais à frente parámos em Santiago, num café de beira de estrada para comer um gelado. Cá fora vários tractores com os atrelados carregados de fardos de palha, esperavam que os seus condutores se sequiassem. Comi dois gelados, cá fora, à sombra da esplanada. À segunda vez enchi o peito de ar, sustive a respiração e quase que consegui comprar o gelado sem ter de respirar a nuvem de fumo que se formava por cima de uma mesa de sueca. Os tractoristas (que me pareceram bem bebidos) discutiam qual a melhor hora para se fazerem à estrada, quem iría à frente (talvez alguém sóbrio num carro ligeiro) e ainda se queixavam que os tipos da Guarda já não eram como dantes.

Seguimos, desta vez até Variz onde a pequena estação está decorada com azulejos bem bonitos. A tarde ía caindo e as forças também. O corpo queixava-se de tanta pedra e de repente a pedaleira do Nuno começou a chocalhar. Parámos imediatamente e verificámos que os dois pratos maiores estavam presos por um parafuso, outro estava quase a largar a porca e dos outros dois nem sinal. Ainda procurámos por ali mas no meio daquele cascalho grosso era missão impossível. A solução foi tirar um parafuso da minha bicicleta e ficarmos cada um com três parafusos em cada pedaleira. Fizemos os restantes dias assim e não houve problemas.

Ainda antes de Sendim, debaixo de um viaduto, onde fizemos um bocado à mão por haver vegetação e lixo no canal, o Nuno soltou um grito e agarrou se à canela. O que foi não sei, mas que tinha duas picadelas uma ao lado da outra, isso via-se bem. Abelha ou vespa não foram porque a dor e o inchaço seríam maiores. Para dar um bocadinho mais de emoção à aventura, decidimos que ele tinha sido mordido por uma cobra transmontana.

Em Sendim jantámos uma bela de uma posta na Gabriela e ficámos a saber que ali se abriga a malta que faz a Travessia. De barriga cheia e já com a noite a caír, pedalámos mais um pouco pela linha até encontrar "quarto" ali para os lados de Prado Gatão. Não foi fácil adormecer por causa do calor mas o cansaço tratou do assunto.

23/07/2006

Acordámos com o clarear do dia e depois de arrumar a tralha lá segimos viagem para fazer o pouco que faltava da Linha do Sabor. Pedalámos quase sempre fora dela, por caminhos paralelos, uma vez que o mato se tornou seu inquilino. No entanto a rede de caminhos é abundante e tomámos um que deve ser bem antigo, a julgar pelo cruzeiro que encontrámos, que até tinha caixa de esmolas. Antes de chegármos ao fim da linha, ainda passámos por uma pequena lagoa e atravessámos zonas onde as árvores, em maior número, nos foram proporcionando alguma sombra e frescura. Finalmente chegámos a Miranda - Duas igrejas, fim da linha do Sabor onde mais uma vez tudo está ao abandono e em rápida degradação. Estava assim cumprido quase na integra o nosso primeiro objectivo. Só ficava a faltar a subida do Pocinho a Moncorvo que já tinhamos descartado quando ficámos a saber que ainda havia carris.

Foi difícil encontrar nesta localidade um local que ao domingo de manhã pudesse servir alguma coisa parecida com um pequeno almoço. Tivemos que nos contentar com aquelas embalagens de mini-croisants e já não foi mau.

De novo na estrada seguimos até Vilar Seco pelo meio de searas acabadas de ceifar e algumas ainda com os fardos de palha por carregar, espalhados pelo campo. Atravessámos a aldeia e seguimos por uma zona de bosque até Caçarelhos. Nesta aldeia que nos pareceu muito bem cuidada, pudemos admirar algumas portas dos pisos térreos das casas antigas, caracteristicas desta zona. Por estas portas enormes tinham de caber os carros de bois carregados com palha, justificando-se assim a sua dimensão.

Saimos da aldeia por um caminho com muita pedra e mais adiante começámos uma longa descida até ao rio Angueira. O Planalto Mirandês tinha ficado para trás e agora, depois de passar o rio só podíamos esperar uma subida. Lá a fomos fazendo sem grande dificuldade, em bom piso e com alguns patamares a permitirem descansar. O que não contávamos é que voltaríamos a descer quase à mesma cota e depois voltar a subir em linha recta até ao cimo de Vimioso.

Bendita esplanada ao lado da igreja!... e a piza feita na hora e as colas e os ice-teas com gelo!? Deu para afastar o "Homem da Marreta" por umas horas. De estômago aconchegado seguimos para Pinelo e mais à frente demos com uma pedra que assinala o caminho que os judeus fizeram quando foram expulsos de Espanha. Seguimos depois quase em plano para descer a bom descer até ao rio Maçãs. No açude alguns banhistas causavam-nos inveja, mas como ainda faltava um bom bocado até Bragança, achámos que um banho áquela hora comprometeria o atingimento do nosso objectivo.

Para sair deste vale o track que o Nuno levava indicava que devíamos seguir por alcatrão. Por um lado fiquei aliviado porque para sair daquele buraco a estrada sería o caminho menos inclinado. Por outro lado não me parecia que assim continuássemos por muito tempo. E não! Duas ou três curvas depois uma rampa de terra esperava por nós. Foi penar até lá acima, com a bicicleta à mão e pela primeira vez a sentir o peso dos alforges. Ainda antes do cimo parámos numa sombra, despimos as camisolas e ali estivemos a "arrefecer o motor". Fizemos o resto da subida e entrámos numa zona com mais sombra, ali ao lado da aldeia de Paradinha, onde junto a uma capela encontrámos um ponto de água com uma daquelas bombas manuais.

Após uma forte descida, demos connosco no meio de um arraial cheio de idosos com bonés todos iguais, consoante o grupo a que pertenciam. Entrámos na festa pelo lado da barraca dos gelados. Já mais fresquinhos, tivemos de entrar pelas obras do IP 4 e voltar à margem do rio Maçãs (que aqui faz fronteira), numa zona bastante verde e fresca que rapidamente se transformou numa parede até lá acima à aldeia de Quintanilha. Por esta altura já parávamos por tudo e por nada e estando na presença de um café não hesitámos em nos refrescar novamente. Até porque daqui para a frente a probabilidade de encontrar algum sítio para comer ou beber parecia pouco provável (o que se veio a confirmar).

Desde Caçarelhos que já tinha perdido a conta às subidas e descidas, pelo que nova descida ao rio Maçãs adivinhava mais do mesmo. Por aqui portugueses e espanhóis passavam uma tarde de domingo junto ao rio e nós cheios de inveja mas determinados em chegar a Bragança.

A meio de cada subida eu avisava o Nuno que não desceria mais ao rio. Chegados ao cimo, ele olhava para o GPS, olhava para mim e dizia que era para baixo. Lá dava eu o braço a torcer, esperançado que lá em baixo houvesse algo digno de visita. É verdade que já estávamos muito cansados e sem grande sensibilidade para apreciar a paisagem (hoje recordo-a de uma outra forma) mas a cada descida sucedia-se uma subida igual à anterior e assim sucessivamente por três ou quatro vezes. Pelo meio encontrámos uma casa abandonada dos Serviços Florestais onde aproveitámos a existência de uma torneira para abastecer, apesar da água ter mau sabor. Finalmente acabaram as "visitas" ao rio Maçãs e pedalámos em planalto, começando a dar a volta em direcção ao nosso destino.

A aldeia de Deilão ficava ali ao lado mas as forças já não eram muitas e nada nos garantia que houvesse por lá um local onde se pudesse comer qualquer coisa. Na perspectiva de ser sempre a descer até Bragança, decidimos comer o que tínhamos e não perder tempo. Consegui mastigar uma barra mas para a engolir teve de ser com a ajuda de àgua. Sentia que estava a chegar ao meu limite e só queria "planar" até Bragança. Realmente teremos feito metade do caminho sempre a descer mas depois pequenas subidas alternavam com descidas maiores, uma espécie de "dente de serra" até Gimonde. Finalmente o alcatrão! estava tão empenado que não conseguia pensar e ía a queimar o resto que ainda havia. De tal forma que até o Nuno ficava para trás. Finalmente "acordei" quando o Nuno me impediu de quase entrar por um hotel adentro. Ele ainda estava com descernimento para contar as estrelas e realmente não havia necessidade para tal despesa. Pedalámos então mais um pouco para o centro da cidade onde encontrámos uma residencial que nos proporcionou uma boa dormida e um bom pequeno almoço.

Estava sujo (dois dias a pedalar debaixo de sol sem tomar banho) mas parecia que nem me apetecia tomar banho, tinha sede mas a água não me sabia bem. Mesmo depois de uma caminhada até ao restaurante, tinha fome mas ao mesmo tempo não me apetecia comer. A quem tería o Nuno "roubado" o malva(r)do do track que nos guiou nesse dia?

24/07/2006

Água fresca e sumo de laranja puseram termo ao empeno do dia anterior. Agora sim, depois de uma noite bem dormida estava-se bem, ali a saborear o pequeno almoço e a recordar as imagens do dia anterior.

Para este dia tìnhamos como objectivo percorrer a linha do Tua até Mirandela. Fizemos uma visita à estação, recuperada e agora a servir de terminal aos autocarros. Descartámos a linha dentro da malha urbana e seguimos pelos campos até Nogueira. Mais à frente apanhámos a linha e por ela seguimos sem problemas até dar-mos com uma pequena ponte metálica. O ano passado, na linha do Dão, já tínhamos encontrado algo semelhante mas aqui havia uma corrente a barrar a passagem, o que dificultava a passagem da bicicleta (não esquecer que com alforges fica um bocadito mais pesada). Mesmo assim foi passada sem problemas.

Nos locais onde a estrada passa perto, o canal da linha não é utilizado como caminho e é invadido pela vegetação. Mesmo assim ainda teimámos em progredir, sempre na esperança que mais à frente estaría melhor. O que é um facto é que com maior ou menor dificuldade o canal estava lá e nós íamos avançando.

A dada altura os utilizadores do IP 4 foram presenteados com uma sessão de equilibrismo, proporcionada por dois ciclistas dispostos a quebrar as regras. Foi a maior e mais alta ponte por onde já passámos. Com a agravante da dificuldade de entrar e sair, por causa das correntes e da falta das placas de cimento do passadiço nas extremidades da ponte, precisamente para tentar evitar o seu atravessamento.

Antes de Sortes tivemos de abandonar a linha porque um túnel estava parcialmente tapado, primeiro com vegetação e depois, ao contornar-mos e passar-mos por cima pareceu-nos ter havido um desabamento. A linha passa por baixo desta aldeia por um viaduto que ao longe dá a ideia de ser um túnel mais comprido. Túnel apanhámos antes de Sta. Comba de Rossas, dequeles em que se tem de ligar as luzes e ficar um bocadinho lá no meio aproveitando a frescura. Em Rossas não havia restaurante pelo que tivemos de pedalar mais um poco até Salsas, umas vezes na linha e outras por caminhos rurais ladeados de castanheiros com os troncos ocos.

Por fim o restaurante. Quando o Nuno voltou de lavar as mãos já tinha em cima da mesa a talhada de melão, a travessa de frango assado no forno com arroz, a salada e o ice-tea. Serviço rápido e sem escolha, era o que havia nesse dia. Mas estava muito bom e foi em conta.

Saímos bem comidos, tentando retomar a linha. Andámos ali ao lado por caminhos alternativos mas sem pedalar pelo canal. Mais à frente terminava a possibilidade de continuar porque os carris ainda não tinham sido retirados. Ficámos um pouco desnorteados porque o plano tinha ido por água abaixo e era preciso reformular a jornada. Estávamos nestes preparos, o Nuno às voltas com o GPS e eu com os mapas, quando resolvi desdobrar a folha e ver o que havería ali à volta. Então do outro lado do mapa apareceu uma mancha azul, no momento em que o meu camarada me informava que ali ao lado tínhamos a barragem do Azibo. Hoje é que era, Hoje é que íamos ao banho.

Inventámos por caminhos de terra e descemos para a beira da àgua. Um abrigo feito com troncos, para a observação de aves aquáticas, serviu de garagem para as bicicletas e à frente a "praia" estava por nossa conta. A água... bem, a água estava morna, de tal forma que por ali estivemos até começar-mos a ficar com arrepios de frio. No entretanto aproveitámos para fazer uns telefonemas a alguns amigos. Tentávamos enviar-lhes o som do chapinhar na água e eles retribuíam com frases que me escuso repetir. Estas reacções de "inveja" só nos aumentavam a satisfação por termos dedicado uns dias de férias a pedalar por aí.

Não tivemos outro remédio senão seguir viagem, primeiro por alcatrão e depois por um vale largo, a leste de Macedo de Cavaleiros, numa zona com campos cultivados cercados de árvores altas a protegerem-nos do sol. Mais adiante, em Carrapatas, o dono do tasco onde parámos para nos refrescar, disse-nos que lá mais para baixo, já tinham retirado os carris e que os agricultores utilizavam a linha para passar com os tractores. Ficámos outra vez entusiasmados, embora os últimos quilómetros pedalados fora da linha, até tivessem sido bastante agradáveis.

Por alcatrão chegámos a Cortiços e depois a Cernadela. Aqui entrámos em terra e fizemos a subida do dia. Foi de tal maneira suave e com um piso tão bom que só demos conta do que tínhamos subido, quando reparámos num marco geodésico ali ao lado. Estávamos outra vez no meio do nada, com uma paisagem magnífica em redor e um estradão para descer até Vila Verdinho, que parecia não querer acabar. Foram curvas e mais curvas até chegar á aldeia.

De Vila Verdinho ainda descemos forte até ao fundo do vale, por um alcatrão também cheio de curvas mas mais esburacado que os estradões em terra que tínhamos feito antes. Cá em baixo recordámos as palavras do taberneiro de Carrapatas e na primeira oportunidade subimos à linha. Foi mau, muito mau! Valeu as silvas terem amoras mas em contrapartida vimo-nos aflitos para conseguir sair dali sem ter de voltar atrás. Por fim lá descemos novamente ao alcatrão e pedalámos os últimos quilómetros até Mirandela que nos recebeu em festa.

25/07/2006

Saímos de Mirandela pela ponte Romana, seguindo pelo vale do Tua, por onde segue a linha com o mesmo nome. Por aqui o rio ainda é largo e corre manso, ladeado de choupos e aqui e ali travado por açudes meio destruídos que outrora desviavam a água para as azenhas. Assim pedalámos durante cerca de 5 km, até que sem alternativa tivemos de entrar na EN 213. Fizemos uma pequena paragem em Frechas para abastecer de água e ainda por alcatrão alcançámos Cachão para o primeiro gelado do dia.

O Cachão é o "fundo de um alguidar". A única forma de sair dali a descer é de comboio ou pelo rio. Como o nosso destino neste dia era Moncorvo, nenhuma destas hipóteses nos servia. Do GPS do Nuno saiu a pior solução (tenho de lhe explicar o que significam as linhas castanhas nas cartas militares). Entrámos em terra e começámos a subir, primeiro a pedalar, depois a arfar, mais à frente com ela à mão e por fim a praguejar com o calor, o mau cheiro, o lixo por todo o lado e com o... Nuno. Durante a subida o Cachão ía ficando lá em baixo, cada vez mais pequenino, Freches voltava a aparecer lá ao fundo e do outro lado, o Santuário da Srª. da Assunção aparecia á mesma cota que nós. Por fim chegámos ao aterro sanitário e ao canil municipal. Mal fizemos meia dúzia de metros no alcatrão e já estávamos novamente em terra a subir. Desta vez subia menos e até dava gozo porque estávamos a atalhar, pelo menos a julgar pelo tempo que os camiões do lixo demoravam a descer o monte e passar na nossa direcção.

Por fim, no topo, seguimos pela EN 214 em direcção a Vila Flor. Talvez por ser o último dia desta aventura e de já termos um razoável acumulado de emoções, este bocado de alcatrão que fizemos, foi um tanto ou quanto aborrecido. Se calhar também porque o esforço da subida merecia um desfecho bem mais agradável do que ter carros a passar por nós a alta velocidade, numa estrada sem sombra nem paisagem. Valeu que o Nuno resolveu acordar de um longo sono alguns caminhos que, a julgar pelo mato e pelas pedras, há muito não eram trilhados por ninguém. A parte mais ciclável (ou "andável") foi quando tivemos de atravessar um olival acabado de lavrar. Finalmente demos com a saída, saltámos para o caminho e quase sem dar conta estávamos em Vila Flor.

Almoçámos num restaurante que visto da rua não diz o que é por dentro. Um local onde se come bem, se paga o normal, com um "serviço" de luxo e cujas instalações (sala, cozinha, WCs) deixariam muitos restaurantes bem mais caros, corados de vergonha. Durante o almoço já começávamos a sentir que a aventura estava a chegar ao fim. Contentes pela forma como tinha corrido, tristes por estar a acabar.

Saímos para fazer a parte final, determinados a aproveitar da melhor forma o resto da jornada. Sempre a descer atravessámos Vila Flor e á saída tomámos um caminho que descia para o vale da Vilariça. Aqui sim! O Desnível foi aproveitado ao máximo, sempre a serpentear pela encosta, onde algum mato alternava com vinhas, olivais e amendoais. Do outro lado do vale, uma encosta totalmente em pedra, sem possibilidade de qualquer tipo de agricultura mas com uma estrada à medida dos melhores trepadores de asfalto. Ao fundo o Douro a apontar o "dedo" a Trás-os-Montes" e mais ao longe, lá na Serra do Reboredo, o nosso destino final, Torre de Moncorvo.

Já cá em baixo, rolámos pelo vale, no meio de vinhas a perder de vista. Atravessámos quintas e o leito seco da ribeira da Vilariça. Antes do IP2 ainda pudemos ver alguns campos com melão e tomate completamente estragados, talvez devido à falta de água.

Algumas pedaladas pelo IP2 e passámos por cima do Sabor. Lá em baixo, junto ao rio alguém se preparava para "fazer praia". Como estava muito calor e faltavam subir os 9 km até Moncorvo, achámos que aquela barraca lá em baixo junto ao rio tería qualquer coisa para nos refrescar e retemperar as forças. Ainda hesitámos mas acabámos por descer ao rio. Afinal a barraca era uma miragem e só serviu para que a subida a Moncorvo começasse ali junto à água do Sabor.

Foi quase o final de uma etapa de montanha. Já dentro de Moncorvo, por ruas em empedrado e bem inclinadas, até deu para sprintar e disputar a chegada à esplanada junto à Câmara Municipal. Estávamos completamente encharcados em suor e secos por dentro. Desde Vila Flor que não tínhamos encontrado nenhum café nem ponto de água e a única que bebemos foi a que levávamos nas garrafas e que estava quente. Por ali ficámos a comer gelados e beber água fresca até ficármos secos por fora e "molhados por dentro". Não era preciso dizer nada. Olhávamos um para o outro e sorriamos. Lembro-me de na altura dizer ao Nuno que só iría ter a noção e sentir a satisfação pelo que tínhamos feito, quando estivesse a escrever estas palavras (e é verdade, embora preferisse estar lá outra vez).

A nossa aventura terminou com o resgate da viatura junto da residêncial para o regresso a Leiria. Na súbida para Foz Côa ficou praticamente alinhavada a aventura do próximo ano e mais à frente, ao lado de Marialva, ainda tivemos que fazer uma paragem para "passar pelas brasas", evitando assim qualquer possibilidade de "ir aos verdes".


-Comentários e dados estatíticos do Nuno Neves


A aventura pelas linhas do Sabor e do Tua terminou. Foram quatro dias intensos.

Inicio: 08H30 - 22.07.2006
Fim: 16H30 - 25.07.2006
Total kms: 361,62 km
Acumulado positivo: 5.038 m
Tempo Deslocamento: 30H40
Deslocamento médio: 11,8 km/h
Vel. Máx: 54,6 km/h
Parado: 7H47
Média Geral: 9,4 km/h
Elevação máx: 893 m


Não queria subir tanto, mas o Brites obrigou-me. Grande malvado.Depois conversamos...

Monday, July 10, 2006

Caminho de Santiago (Leiria - Conimbriga)

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Em Maio, quando pedalei até Portalegre, ao passar na zona de Caxarias (norte de Ourém), reparei nas famosas setas amarelas pintadas quase sempre em postes de electricidade. Tratam-se de quadrados de fundo branco, onde foram pintadas ,através de um molde, duas setas: uma amarela que aponta em direcção a Santiago de Compostela e outra azul que aponta em sentido contrário, para Fátima. Penso tratar-se de um troço de ligação entre Fátima e Ansião, para que os peregrinos que venham do Norte, possam seguir o Caminho de Santiago (em sentido contrário) até esta última localidade e daí seguir esta variante para o Santuario Mariano.
A malta que costuma pedalar comigo aos domingos de manhã andava a desafiar-me para fazermos uma volta maior que durasse o dia todo. Vieram-me à ideia as tais setas e combinámos que no sábado, 08/07/2006, repetiríamos o trajecto até encontrar as setas que seguiríamos até só haver força e tempo para regressar a Leiria.
Às 9:00 encontrámo-nos, tal como combinado nas bombas de gasolina à saída de Pousos. Para fugir ao movimento seguimos em direcção ao Tubaral, fizemos a descida para Caldelas, Cercal e mais à frente chegámos a Gondemaria onde encontrámos as primeiras setas. Até Caxarias a estrada segue pelo vale e não tem grande movimento. Aproveitámos o facto de se "atravessar" à nossa frente uma padaria para fazer uma paragem e comer o segundo pequeno-almoço.
Retomada a estrada em direcção a Freixianda começei a achar que este Caminho estava mal escolhido já que a seguir a alcatrão vinha mais alcatrão e ainda por cima numa estrada com bastante movimento. Antes de chegar a Freixianda lá estava a seta amarela a fazer-nos saír para uma estrada mais estreita. É agora! pensei eu. Mas não. O alcatrão sucedeu-se e a espaços as setas lá iam aparecendo pintadas nos muros dos aquedutos, por uma estrada paralela ao leito seco do Nabão, onde aqui e ali se apresentavam belas "mesons" (zona de emigração, esta!).
Entretanto chegámos a um entroncamento onde as setas nos baralharam. A azul era simples e apontava na direcção de onde vinhamos mas a amarela fazia um ângulo recto para a direita. Hesitámos um pouco e achámos que se a seta fazia um ângulo é porque ali se tinha de virar. Não seguimos muito convencidos. Atravessámos a ponte sobre o Nabão (quem não conhecer zonas calcárias não entende a necessidade de uma ponte tão grande para um rio seco) e pedalámos em direcção a Almoster, onde chegámos com a certeza que estávamos errados na opção tomada. Como até ali o caminho até estava a ser uma desilusão, seguimos em direcção a Ansião quase certos que não se tería perdido grande coisa. Eram cerca de 12:40 e resolvemos procurar um restaurante para almoçar.
Depois de almoço não foi difícil descobrir as setas novamente. No principal cruzamento da localidade, segui em direcção à ponte antiga (norte) e ali, junto a um supermercado, lá estava uma seta, desta vez feita à mão e num amarelo mais torrado. Passámos por baixo do IC8 e um pouco mais à frente mais setas, desta vez......UAUUUU! a indicarem um caminho de terra. Foi por pouco tempo pois mais adiante estávamos novamente a pedalar nas ruas de uma aldeia.
Um sentimento de desilusão começava a fazer-se sentir perante tanto alcatrão. Mas valeu! a partir daí entrámos em caminhos de terra, as silvas começaram a fazer arranhões nos braços, o mato coçou-nos as pernas e até tivemos de desmontar para galgar alguns calhaus, perante a imponência de enormes carvalhos. As setas começaram a aparecer com mais frequência, pintadas nas pedras do chão e dos muros. O alcatrão passou a ser tabu e só o pisávamos para atravessar uma aldeia ou uma estrada de um lado para o outro. Os lugares e aldeias do Rabaçal, na Serra do Sicó, foram-se sucedendo ligados por caminhos com bastante pedra.
Entretanto, no vale, as sombras desapareceram e o calor, apesar de não estar um dia particularmente quente, começava a incomodar. O que se destacava agora eram aqueles montes no meio do vale, quase cónicos, um dos quais encimado pelas ruínas do castelo do Rabaçal.
Foi curioso reparar no leito seco de um rio que recolhe toda a água que no inverno cai da chuva ou brota das nascentes deste vale. Há uns anos tive oportunidade de por aqui pedalar no inverno e sei bem a quantidade de água que corre nessa altura. O caminho seguiu a direcção deste rio, umas vezes mais de perto, outras afastando-se um pouco, até culminar num carreiro mesmo pela margem, que se estendeu por umas boas centenas de metros até chegarmos a outra aldeia.
Estávamos com um sorriso de orelha a orelha e já nem nos lembrávamos da quantidade de quilómetros em alcatrão que tinhamos feito de manhã. As palavras que íamos trocando uns com os outros não fugiam muito de "fantástico", "espetacular", "fabuloso", "maravilha", acrescentadas de alguns palavrões que ainda lhes aumentavam o grau.
Para sair deste vale as setas amarelas continuaram a indicar a direcção do rio que, ao longo do tempo, conseguiu escavar na rocha uma saída apertada, na sua caminhada para o mar. Quase sem dar conta chegámos às ruínas romanas de Conimbriga, onde parámos para comer um gelado e comprar água.
Para quem quiser fazer um belo passeio de BTT, pode deixar o carro em Ansião e seguir as setas amarelas até Conimbriga. O regresso pode ser feito por estrada ou explorando um pouco mais daquilo que o Sicó tem para oferecer. A marcação em direcção a Santiago de Compostela está irrepreensível. Já em sentido contrário, para Fátima, é mais difícil avaliar mas, principalmente no chão, vimos algumas pedras pintadas com a seta amarela e a azul em sentido contrário.
Decidimos que era ali em Conimbriga o nosso ponto de regresso. Pedalámos até Condeixa e aí apanhámos a estrada para Soure. Agora o alcatrão já tinha outro sabor, de tal maneira agradável que quando demos conta (íamos "na brasa") não estávamos a pedalar em direcçao a Soure mas sim para Montemor-o-Velho. Por fim lá encontrámos um desvio para Soure. Tomámos essa direcção e pedalámos, passando por várias aldeias, por estradas secundaríssimas, mas de Soure... nada". Finalmente apareceu uma placa a indicar "Samuel" e como esta aldeia tem um nome invulgar, tinha-me ficado na memória quando o ano passado passei por ali perto. Agora já estava mais orientado e até podíamos ir ate às Termas da Azenha comer e beber alguma coisa no "bar dos holandeses". Foi isso que fizemos.
Não havia nada para comer mas... havia cerveja. Ficámos ali um pouco à conversa e a ganhar coragem para o que faltava, que segundo o GPS do Fernando era pouco...em linha recta (só eu é que tinha consciência do que relmente nos separava de casa).
De volta ao pedal, atravessámos uma enorme extensão de arrozais, por um caminho de terra onde tinham passado tractores com aquelas rodas de ferro e cujo piso ora parecia chapa ondulada, ora areal.
Com o Sol a tombar parámos para montar as luzes. Nesta altura qualquer coisa já servia para parar. A extensão de arrozais foi diminuindo à medida que fomos subindo o vale da Ribeira de Carnide, de onde saímos subindo "à mão", mas só por solidariedade com o Zé que estava com uma dor no joelho.
Já depois da Bidoeira, onde soubemos que tínhamos perdido com os alemães, uma "fragância" a porco invadiu-nos as narinas: "Milagre!" ou antes: Ribeira dos Milagres. Estávamos quase a chegar. Mais à frente, já com Leiria ali em baixo, separámo-nos, cada um pelo caminho mais perto até casa. Atravessei a cidade e fiz a muito custo os últimos quilómetros até casa, onde cheguei todo a tremer (depois da cerveja nas termas não tinha comido mais nada).
Para mais tarde recordar ficam 178 km pedalados num dia muito bem passado com os amigos.

Saturday, June 17, 2006

"Peregrinação" a Portalegre

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Na terceira edição da maratona de Portalegre, chegava-se ao ponto mais alto por volta dos 60 km. Cheguei aí já um pouco gasto mas (ignorando estupidamente o gráfico de altimetria, fornecido antecipadamente pela organização) convicto que os restantes 40 km seriam "canja", limitando-se a aproveitar o desnível que nos separava da chegada. Rapidamente a forte descida me fez temer o pior. Ainda insisti em fazer a subida seguinte montado (burro!) e quando dei por mim estava junto a umas pequenas lagoas, agarrado à bicicleta cheio de câimbras, sem conseguir dar um passo. Nesse momento apercebi-me de que afinal não era assim tão divertido participar na maratona. Estava para ali empenado, sem saber dos meus colegas, num local que já começava a ser por mim conhecido. Decidi que não mais voltaria a Portalegre. Puro engano!
Das três vezes que me desloquei a Portalegre para participar na maratona, fui sempre de véspera. O ambiente vivido na cidade na Sexta-feira à tarde com a chegada de muitos participantes foi o que sempre achei mais divertido. Num ambiente de puro convívio, o final da tarde e a noite eram momentos para rever amigos de outras paragens e pôr a conversa em dia. Houve um ano em que até visitei a Selenis, onde vi transformar garrafas de plástico (PET) em fibras texteis.
O ano passado não participei na maratona pelos motivos que já descrevi.
O ano passado tive pena de não ter ido a Portalegre pelas razões que também já apontei.
Este ano fiz o "três-em-um": Cheguei a Portalegre na Sexta-feira à tarde e vi a partida da maratona no Sábado, pedalei mais de 400 km e finalmente não empenei.- Como é que é isso? Perguntam vocês.Isso vou eu contar-vos de seguida.
Primeiro foi preciso "convencer" o meu parceiro incondicional dos passeios em autonomia a gastar dois dias de férias para pedalar até à cidade da Maratona, assistir à partida e gastar os dois dias do fim-de-semana para regressar a Leiria. Não imaginam o que me custou conseguir convencê-lo (eh! eh!). Depois desafiei os meus companheiros das voltas domingueiras e houve três que disseram presente (dois acabaram por desistir da ideia). Finalmente lancei o desafio na Velocipedi@ de "peregrinarmos" até Portalegre, cada um saindo da sua terra e quem sabe engrossar um pelotão a caminho da Maratona. O desafio, um tanto ou quanto utópico, encontrou adeptos lá para o Norte. O Team "Tamo Junto" e a "Armada" famalicense também andavam com umas ideias e depois da troca de algumas mensagens e telefonemas, a viagem ficou assim alinhavada:
- Os dois grupos do Norte arrancavam na Quarta-feira do Porto com destino a Penela.
- Na Quinta-feira saíamos de Leiria e algures pelo caminho haveríamos de nos juntar aos nortenhos para juntos fazermos a travessia do Tejo.
- Na Sexta-feira chegávamos cedo a Portalegre..
- No Sábado e Domingo regressávamos a Leiria.
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Quinta-feira, 04/05/2006
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Tal como combinado, saí de casa e pedalei até me juntar ao Nuno ao pé da escola de enfermagem. Subimos os dois até aos Pousos onde já nos esperava o Fernando. Eram 8:00 quando os três demos início a esta aventura. Tínhamos como objectivo chegar a Vila de Rei a horas de almoçar, nem que fosse um almoço tardio. Aí chegados estaria vencida a parte mais difícil deste primeiro dia e de tarde "bastaria" descer até ao Tejo para o atravessar e passar a noite algures já na margem sul.O Nuno tinha desenhado um percurso que tentava ao máximo seguir as linhas de água e assim evitar as subidas. Resulta (quase) sempre!
Os primeiros quilómetros foram feitos na movimentada EN 113. Depois entrámos no paraíso das estradas secundárias pelo meio das aldeias. Na zona de Caxarias encontrámos as famosas setas amarelas, pintadas sobre um fundo branco. Já sei que quando quiser ir a Santiago, posso ir aqui perto apanhar as setas amarelas. Pelo meio dos campos agrícolas chegámos ao rio Nabão e do outro lado fizemos as primeiras subidas do dia, numa paisagem de calcário, a fazer lembrar uma serra aqui ao lado (PNSAC). Entretanto umas nuvens ameaçadoras seguiam-nos, primeiro ao longe (mais tarde fiquei a saber que a essa hora choveu a sério em Leiria) e depois mais perto mas de raspão, mesmo assim com alguns pingos a acertarem-nos. Aproveitámos para parar num café e petiscar qualquer coisa. O mau tempo foi-se embora e nós continuámos a pedalar ,desta vez subindo para Ferreira do Zêzere, onde chegámos cedo.
Daqui até ao rio Zêzere é praticamente sempre a descer (e de que maneira!), o pior é que chegados ao outro lado, uma subida equivalente tem de ser feita para chegar a Vila de Rei. Estávamos nós em cima da ponte a tirar umas fotos quando me liga o "capitão" Moniz e me diz que está em Ferreira do Zêzere. Pensei para mim que até estávamos a andar bem e que seguiríamos juntos com eles a partir dali. A meio da subida fomos ultrapassados por um jipe laranja com um quiosque atrelado e a malta lá dentro a cumprimentar-nos. Espera lá! É o carro de apoio dos nortenhos. E...espera lá outra vez! Os tipos não devem vir com alforges! Certamente vêm leves e trazem a tralha no quiosque. Gaita! Assim não dá para conseguir acompanhá-los.
Mal parámos para tirar umas fotos, e eis que se aproxima um ciclista numa BTT com roda fina e uma bandeirinha. Depois outro e mais dois e por fim lá estavam todos, levezinhos e de roda fina. Um contraste quando comparados com as nossa burras, carregadas com o mínimo indispensável a uma jornada destas. Depois dos cumprimentos da praxe, seguimos juntos até Vila de Rei que já estava perto e parámos no primeiro café que encontrámos. Alguém informou o grupo que seria uma paragem de meia hora e que depois partiam. Decididamente este não era o nosso programa. Queríamos comer descansados e não iríamos conseguir acompanhar o ritmo deles que estavam com uma configuração nas bicicletas bem diferente da nossa. Pedi ao "capitão" Moniz que quando fizessem a travessia do Tejo, avisassem que haveriam mais três ciclistas para passar, despedimo-nos "até já" e procurámos um restaurante.
Vila de Rei estava virada do avesso. Todas as ruas estavam em obras e não havia ponta de alcatrão. Demos uma volta e lá encontrei um restaurante onde já tinha almoçado quando participei nas "24H de vila de Rei". O que estava a sair era frango assado, que comemos acompanhado de uma boa salada e regado com cerveja (houve quem bebesse Ice Tea mas revelar nomes seria uma inconfidência). Cerca de uma hora depois arrancámos em direcção a Amêndoa. Antes de chegar a esta localidade fizemos alguns bocados em terra e numa das vezes entrámos num caminho sem saída mas com o alcatrão ali à vista. Lá tivemos de carregar com as bicicletas à mão e castigar as pernas no mato. De volta ao alcatrão, reparámos que nesta zona, bastante fustigada pelos fogos nos anos anteriores, se arranjaram ou fizeram de novo, caminhos florestais devidamente assinalados por placas com indicação do nome do caminho, pontos ligados e distância do mesmo. Foi por um destes caminhos que chegámos a um lugarejo chamado Pracana da Ribeira onde corre a ribeira da Pracana. Foi um dos momentos altos do dia, acompanhar o pequeno curso de água durante alguns kms por um caminho de terra cinzenta, talvez da cinza dos incêndios. Noutra localidade parámos para fotografar uns curiosos feixes de palha e logo um velhote meteu conversa. Por ele ali tínhamos ficado toda a tarde na conversa.
Depois de Envendos atravessámos a A23 e antes de descer para o Tejo resolvi telefonar ao "Capitão" da Armada famalicense para saber se tinham avisado que também íamos atravessar e se teria ficado alguém para nos passar. Se já não fosse possível atravessar por ali, evitávamos a descida ao Tejo e... pior, a respectiva meia volta pelo mesmo caminho mas com inclinação inversa. Seguiríamos então para a Barragem da Pracana e depois atravessaríamos o Tejo pela Barragem do Fratel.Qual não foi o nosso espanto quando do outro lado ele me respondeu que estavam a atravessar. Então estes gajos ainda ali iam, levezinhos, de roda fina, a fazer paragens de meia hora, se calhar a pedalar sempre em alcatrão e só estavam ali à nossa frente? Rapidamente iniciámos a descida que nos levaria a S. José das Matas, onde um grupo de idosos sentados por ali à sombra, nos avisava que por ali não tinha saída. Eles bem acenavam na tentativa de nos poupar a subida de volta mas nós tínhamos tudo combinado e lá em baixo alguém nos passaria para o outro lado.
A visão do rio Tejo foi de grandeza, primeiro pela dimensão do vale e depois pela impressionante massa de água que corria rio abaixo. Enquanto descíamos pudemos ver do outro lado o numeroso pelotão que iniciava a subida para Amieira do Tejo. Do lado de cá, na margem, uma "casca de noz" aguardava a nossa chegada. Atravessámos a Linha da Beira Baixa e antes de chegar ao barco ainda deu para ver, ali no meio das silvas, uma grande jangada que terá servido para passar automóveis: a antiga "Barca da Amieira-Envendos". À nossa espera tínhamos dois "marinheiros" na casa dos sessentas, que tinham acabado de fazer umas três travessias (ida e volta) a passar os nossos companheiros da "Armada" e "Tamo Junto". O barco não tinha mais de três metros de comprimento e... era a remos. Perante a nossa desconfiança, "animaram-nos" dizendo que a barragem do Fratel devia ter todas as turbinas a funcionar, que o rio ali era muito fundo e que já ali tinham morrido uns quantos. Muito animador! Confesso que se não tivesse visto os nossos companheiros do outro lado dificilmente acreditaria que tal embarcação nos poderia levar ao outro lado em segurança. Lá fomos os cinco com a proa sempre virada a montante e a força da remada só dava para manter o barco no mesmo sítio e não ir rio abaixo. Quando chegámos ao outro lado os velhotes pareciam afinal mais jovens, o barco maior e o Tejo um rio calmo e vulgar. Uma nota das pequenas foi quanto resolvemos pagar pela travessia. Como bónus foi-nos oferecida boleia no "Dumper" da Junta de freguesia, que de imediato rejeitámos. Se o arrependimento matasse!... Os quilómetros já pesavam nas pernas e a subida parecia não querer acabar. Valeu a paisagem com as encostas cobertas de flores amarelas e azuis, sobreiros e o Tejo ao fundo escapando-se pelo vale.
Amieira do Tejo é uma terra bem engraçada. De um lado o castelo e do outro uma igreja encimada por um ninho de cegonhas. O casario predominantemente branco com chaminés largas, alinhadas umas com as outras, lembra-nos que chegámos ao Alentejo. Parámos na esplanada de um café para comer e beber qualquer coisa. Estava-se bem por ali mas como ainda era cedo resolvemos avançar para Nisa, onde os restantes peregrinos estariam a chegar e onde ficariam instalados. Até lá seguimos por estrada e em Arez ainda nos cruzámos com o jipe de apoio com o tal quiosque atrelado. A viagem do Porto a Portalegre até pode ter sido divertida para a tripulação de tão estranho conjunto, uma vez que foi feita por etapas e a acompanhar os colegas pedalantes. Agora, imaginem a seca que terá sido o regresso.
Chegámos a Nisa e demos logo com um grupo de "arrumadores" a desatrelar e estacionar o quiosque. Na Residencial onde iam ficar já não havia lugar e disseram-nos que dificilmente arranjaríamos dormida. Ainda batemos em mais duas portas mas sem sucesso: Tudo cheio! Decidimos então ir jantar de modo a retomar a estrada ainda de dia e procurar um canto para passarmos a noite. Não foi fácil. A estrada que liga Nisa a Castelo de Vide (pela Barragem de Póvoa e Meadas) tinha vedações em quase toda a sua extensão. Foi com alguma sorte que encontrámos uma brecha, numa zona com vegetação mais densa, onde encontrámos o local ideal para passar a noite sem dar nas vistas. Estendemos as colchonetes, enfiámo-nos nos saco-cama e tentámos ignorar o barulho dos grilos, das rãs que coacharam toda a noite, dos cães que ladravam ao longe e de uma ou outra vaca que de vez em quando se lembrava de mugir. Estava uma noite sem nuvens e uma temperatura agradável.
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Sexta-feira, 05/05/2006
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Acordei cheio de frio, ainda o sol não tinha nascido. O nevoeiro tinha caído durante a noite e à nossa volta tudo estava molhado, incluindo os nossos saco-cama e tudo o que na noite anterior tínhamos deixado por ali espalhado, sapatos, roupa, etç. Nada havia a fazer senão tentar dormir mais um pouco e esperar pelo raiar do Sol para ver se dava para secar um pouco toda aquela tralha. Tudo em vão. Os três já estávamos acordados e o conforto do "quarto" não convidava a ficar na preguiça. Entretanto o Sol, embora forte ainda, estava muito baixo e não conseguia romper a névoa com a intensidade desejada. Decididamente não íamos ficar por ali mais tempo. Arrumámos tudo e partimos em direcção a Castelo de Vide para tomar o pequeno-almoço. Pelo caminho passámos junto à barragem de Póvoa e Meadas (onde vive uma certa cobra de água ;-)) e quando subíamos para Castelo de Vide, o Sol começava a bater forte. Depois de pedalar por algumas vielas da localidade, procurámos a sombra de uma esplanada onde calmamente tomámos o pequeno-almoço. Eram 9:30, Portalegre ali ao lado e nós com o dia inteiro para lá chegar. Decidimos que não iríamos directos para a cidade da Maratona, mas antes daríamos uma "voltita" pela serra.
De volta à estrada, chegámos à Portagem por aquela estrada junto ao campo de golfe, ladeada por árvores com os troncos pintados de branco. Lá em cima, Marvão convidava a uma visita mas a opção foi seguir para Porto de Espada e continuar pelo vale até à fronteira. Por esta altura o Fernando dissipava todas as dúvidas relativamente à companhia que tinha arranjado: dois tipos que tudo faziam para descobrir o pior e mais longo caminho para chegar a Portalegre. Ele bem tentou dissuadir-nos mas não teve hipótese.
A estrada que segue de Porto de Espada até Rabaça, na fronteira, tinha um piso novo onde rolámos bem. Do nosso lado direito, a Serra de S. Mamede ia ficando mais baixa mas também nós, ao descer o vale, íamos ficando mais baixos mantendo-se assim o desnível em relação ao topo (protestos, adivinhem de quem). Chegámos finalmente a Rabaça, que não é mais do que meia dúzia de casas nas traseiras da serra. O bom piso acabou e começámos a fazer a primeira e maior subida da manhã. Para mim era a primeira porque eu já por ali tinha andado e sabia que haveríamos de fazer mais duas. Fechei-me em copas para não desanimar o Fernando. Se já uma vez ali tinha passado de baixo de chuva miudinha, agora sob forte calor não era mais fácil. Fomos fazendo algumas paragens, uma das quais para tirar uma foto a um marco de fronteira, ali a meia dúzia de metros da berma da estrada. Finalmente o topo e a vista de mais um vale que havia que transpor. Passada a aldeia de Soverete, com o seu vale cheio de hortas e onde a ribeira ainda leva bastante água, voltámos a subir (desta vez menos) até descer novamente para Montinho. Um dos meus companheiros (adivinhem quem) já tinha esgotado todo o tipo de protestos que se possam imaginar e por isso já não dizia nada quando subíamos novamente, desta vez para passar a última elevação antes de Alegrete. Urra e o restaurante "O Álvaro", estavam agora mais perto, mas antes de chegarmos a Caia foi preciso fazer uma paragem para o Fernando verificar no PDA, onde levava todas as cartas militares do percurso, que não lhe estávamos a mentir e que a Urra era mesmo ali perto. Ficámos ali na sombra de uma paragem à conversa com um velhote que esperava o autocarro, enquanto o Fernando concluía que afinal não estávamos a mentir. Confesso que àquela hora, também eu já estava cheio de fome e deserto para encostar a bicicleta a um canto. Ainda por cima já salivava a pensar na tomatada de pézinhos. À saída de Caia uma longa recta levou-nos a uma rotunda e um pouco mais à frente chegávamos a Urra. Eram 14:00 quando nos sentámos para almoçar e quando finalmente "alguém" ficou com cara de mais bem disposto.
Das iguarias que degustámos nem vale a pena falar. Uma nota só para a simpatia do Sr. Álvaro com quem estivemos à conversa e especialmente para o "néctar" que acompanhou a refeição. À saída O sentido de orientação era tal que cada um queria seguir por uma direcção diferente. Lá acabaram por nos indicar a estrada para Portalegre, mas rapidamente tomámos consciência (?) que o melhor era sair do alcatrão e procurar um caminho de terra. A moral estava de tal modo elevada que não foi preciso mapa nem GPS, na primeira oportunidade virámos à esquerda e pouco depois estávamos a pedalar com erva pela cintura onde se escondiam algumas poças de água. Mais à frente entrámos num caminho que já tinha feito numa das primeiras Maratonas e por aí chegámos a Portalegre.
Para quem estava às 9:30 em Castelo de Vide, nada melhor que fazer 84 km para chegar a Portalegre. Juntámo-nos aos nossos companheiros "nortenhos" na sede de uma associação, cujo salão estava transformado em oficina onde se preparavam as máquinas para a maratona do dia seguinte: Mudavam-se pneus, cassetes e até se "atestava" um amortecedor traseiro com... água. Tomámos um banho e fomos até ao centro da cidade para jantar. No regresso fomos até ao NERPOR onde estava o secretariado da prova e onde àquela hora já cheirava a Maratona. Nessa noite dormimos debaixo de telha, sem nevoeiro nem barulho. Um luxo a contrastar com os restantes companheiros que nas noites anteriores tinha dormido em residenciais e hoje tinham o chão de madeira como cama.
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Sábado, 06/05/2006
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Alvoraaaaaaaaaada!
A minha primeira preocupação era arranjar um local para tomar o pequeno almoço. Saí para a rua e no café que ficava logo ali por baixo ainda não havia pão. Voltei para arrumar a tralha e saímos todos já preparados, uns para irem fazer a Maratona e nós para ver a partida e regressar a casa. Entretanto o pão já tinha chegado e instalou-se a confusão no café com vinte e tal tipos famintos a quererem ser atendidos em primeiro. Da nossa parte não havia pressa, não tínhamos hora marcada para nada.
Depois de ter sido dado o tiro de partida, às 9:00 em ponto, estivemos vinte minutos a ver passar ciclistas até que por fim lá passaram as ambulâncias que fechavam o pelotão. Era a nossa deixa para iniciar o regresso a Leiria. Pedalámos pelo meio de um trânsito completamente engarrafado em direcção à praça de touros onde entrámos em terra. Uma longa recta levou-nos pelo meio dos campos até á ribeira da Seda (as vezes que esta ribeira já se atravessou no meu caminho!). Do outro lado, sempre em estradão seguimos em direcção ao Crato. Numa das fotos que tirámos neste local, ia eu e o Fernando lado a lado, eu de camisola azul e ele de amarelo. Do meu lado os campos tinham flores azuis e do lado dele amarelas. Foi um "postal" bem apanhado pelo Nuno. Por fim chegámos à estrada que liga o Crato a Alter do Chão. Em frente uma placa indicava o "Caminho de Marrocos", mas alguns metros à frente percebemos que não queríamos ir para o norte de África e voltámos atrás. Pedalámos um pouco pelo alcatrão em direcção a Alter e tomámos o "caminho do Murtal". Não "murremos", pelo contrário! Estendiam-se à nossa frente quilómetros e quilómetros de caminhos pelo meio dos campos. Tivemos de passar novamente a ribeira da Seda, desta vez com mais caudal e passando num vale mais fundo. Do outro lado outra vez trilhos e mais trilhos, em forma de carreiro ou estradão, com mais ou menos chaparros e algumas linhas de água para a travessar. Numa delas, depois de inspeccionar o terreno à volta, eu e o Nuno concluímos que o melhor seria tomar balanço e atravessar. Quando já estávamos os dois do outro lado, com os pés e os alforges molhados, heis que o Fernando vira à direita pelo meio da erva alta e depois de algumas passadas aparece ao pé de nós sorridente. "- Então não viram ali a tábua?". Na ribeira seguinte de nada lhe valeu explorar as redondezas, teve mesmo de molhar os pés.
Aproximava-se a hora de almoço. Depois de termos passado pelo meio de um rebanho entrámos numa zona de eucaliptos e a navegação começou a complicar-se. Após alguma indecisão deixámos ser o Fernando a escolher o caminho a tomar. De repente num cruzamento não ganhei para o susto: uma família de javalis, entre adultos e juniores, passeava-se por ali. Sem se dar conta desapareceram sem deixar rasto. Ainda andámos por ali pelo meio dos eucaliptos até alcançar a estrada de alcatrão ali à entrada de Ponte de Sôr. Desta vez não houve discussão e fomos direitinhos ao restaurante. Como já era tarde (os clientes do almoço já tinham saido) , o dono deixou-nos entrar com as bicicletas e assim almoçámos descansados com as binas encostadas à arca dos gelados.
De tarde, atravessámos a cidade e entrámos novamente em terra. Primeiro um pequeno engano por um caminho bem agradável mas que não tinha saída, depois voltando para trás, por um outro que nos levaria por alguns quilómetros até ao alcatrão, com passagem pelo Monte Velho. Rapidamente voltámos à terra e em Água Travessa encontrámos uma Quinta transformada em hotel rural. Havia uma grande lagoa com ilhas que tinham uma espécie de "bungalows". Tudo muito bem arranjado a convidar a uma visita em família. Numa mercearia o Nuno aproveitou para comprar pilhas para o GPS. De novo a pedalar entrámos num estradão bastante largo, que limita a sul o campo militar de Sta. Margarida, onde andavam a marcar com fitas uma prova de todo-o-terreno. Parecia que não tinha fim: terra avermelhada com algumas poças de água, chaparros de um lado e de outro e o Sol de frente a baixar no horizonte. No mapa este caminho de terra seguia até ao Tejo mas no terreno o alcatrão apareceu mais cedo, ali no cruzamento para Semideiro e acabou com a terra de uma vez por todas.
A esta hora e quase a atingir o Tejo, o nosso pensamento já estava em casa. Mesmo antes de o decidirmos em conjunto, cada um de nós já tinha como certo fazer a jornada seguida até Leiria. A vontade de chegar superava a racional gestão do esforço. O alcatrão novo e a ausência de viaturas fez-nos pedalar acima do aconselhável e atingir rapidamente Carregueira, Pinheiro Grande e por fim a paragem para jantar na ponte da Chamusca. Tivemos de comer bitoque que era o que havia.
Quando saímos do restaurante era noite cerrada. Montámos todos os artefactos de que dispúnhamos para sermos vistos na estrada: Coletes reflectores, frontais e mais uma série de "luzinhas pisca-pisca" que nos faziam parecer uma árvore de Natal. Mal comecei a pedalar dei por mim a tremer de frio. Pensei que era por ter estado parado a jantar e que com mais algumas pedaladas a coisa aquecia. Isso só aconteceu um bocado mais à frente, antes de Torres Novas mas à medida que a hora avançava tambéo o frio aumentava. Da cidade do Almonda até ao sopé da Serra D'Aire foi um sofrimento. A estrada plana obrigava a um pedalar constante e nestas condições o selim "queimava". Fui-me distraindo tentando dar com o início/fim de alguns trilho que por ali tinha feito nos famosos passeios que eram os "Comboios Fantásticos".
No Pafarrão o Nuno foi-se embora serra acima, o Fernando já só ali estava de "corpo presente" e eu pouco mais conseguia que "velá-lo". Mesmo assim seria menos doloroso subir ao meu ritmo do que acompanha-lo e passar mais tempo sentado. Avisei-o que ia andando e arranquei. Enquanto a subida se fez em zona abrigada só se teve de vencer a gravidade. O pior foi quando no primeiro gancho à direita o vento saiu lá de não sei de onde e me fez andar aos SSS na estrada. Ainda metade da subida não estava feita e agora ainda tinha que gramar com o vento até lá acima!
Eram para aí 23:30 quando o Fernando se nos juntou, ali ao lado da pedreira do Galinha (Monumento Nacional das Pegadas de Dinossauros). Eu já estava novamente gelado e ainda por cima íamos arrancar a descer. Alguns grupos de peregrinos a pé foram-se metendo connosco ao longo da estrada, em especial por causa das luzes fora do comum. Entretanto estávamos quase a entrar em Fátima e não sei se por causa do frio, do empeno ou das duas coisas, aceitámos a sugestão do Nuno em irmos por uma estrada que "atalhava". Uns quilómetros à frente eu já estava pior que o Fernando, no dia anterior em plena Serra de S. Mamede. O que valeu é que já nem havia força para protestar. Chegados à Loureira (que fica num alto), cada um começou a traçar o melhor percurso para chegar a casa sem ter de subir. Para mim era mais "não ter de descer", tal era o frio, mas não tinha alternativa e lá fomos a bater o dente em grande velocidade até ao Soutocico onde nos despedimos do Fernando, que seguiu para os Pousos. Mais abaixo, deixei o Nuno que seguiu para Leiria e continuei a descer (#$&##») até às Cortes onde finalmente pude subir para a minha casa na Barreira.
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Dados GPS (N. Neves)
Inicio: 07:45, 04/05/2006
Fim: 00:44, 07/05/2006
1º dia 151 km 20% terra
2º dia 84 km 2% terra
3º dia 191 km 60% terra
TOTAL 426 km
Acumulado positivo 4976m
Elevação máxima 709 m

Thursday, May 18, 2006

foto do perfil


Wednesday, July 20, 2005

Férias de "Comboio"

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A ideia já tinha uns anos: pedalar pelas curvas e contracurvas das linhas desactivadas do Vouga e do Dão. As expectativas eram baixas. As duas linhas desactivadas há já alguns anos e com passagem pelo meio de tantas localidades já deveriam estar obstruídas, ora por construções, ora pela vegetação. Mesmo assim, se não fosse possível pedalar pela linha, certamente que aquela zona do país não nos desapontaria em termos de beleza natural.
Este ano, munidos de um simples mapa de estradas e de um GPS, o projecto foi finalmente avante.

10/07/2005
Leiria – Carvoeiro (algures na margem do Vouga)

Pouco passava das 8:00 da manhã quando saí de casa. Rapidamente desci os 6 quilómetros que separam a minha aldeia da cidade de Leiria, que por ser domingo, estava deserta. Fiz a subida do dia até chegar a casa do Nuno, o meu companheiro de jornada. Lá estava ele ansioso e pronto para seguir. Agora já éramos dois e a nossa aventura começava.
Sempre por alcatrão, descemos até atravessar a tristemente famosa Ribeira dos Milagres. Voltámos a subir suavemente para a Bidoeira e mais à frente encostámos à Ribeira de Carnide que nos havia de “levar” até ao Mondego. Começaram a aparecer os primeiros arrozais. No início, timidamente num vale ainda estreito mas depois numa área muito maior e a perder de vista. Procurando o melhor caminho, pedalámos cruzando o vale, embalados pelo “ta-ta-ta...” das motobombas e pelos pios das aves de rapina que por ali voavam.
Espectáculo! Rodeados de arrozais e a pedalar em terra, o dia estava a começar bem, até o caminho parecer querer acabar, logo ali com os carros a passar numa estrada alcatroada mesmo à nossa frente. Não calhava nada ter de voltar atrás e procurar outro caminho. E não foi preciso porque havia uma pequena comporta para regularização do nível das águas e com algum equilíbrio conseguimos passar para “terra firme”.
Depois das Termas da Azenha (local conquistado, recuperado e invadido por holandeses) chegámos finalmente ao Mondego. Já tínhamos visto uma placa a indicar “Mata Mourisca” e agora chegávamos a “Moinho do Almoxarife”. Como se isso não bastasse, o simpático dono do café local era um homem bem moreno e de bigode. Um autêntico muçulmano. Definitivamente estávamos ainda em território mouro”. Talvez o Mondego fosse a fronteira, mas como pudemos verificar bem mais a Norte, ainda haveríamos de passar por Mourisca do Vouga.
Aproveitámos a paragem para tomar um segundo pequeno-almoço e arrancámos de novo debaixo de forte calor. O Mondego e os seus canais acompanharam-nos durante vários quilómetros, primeiro até Montemor-o-Velho e depois até ao Choupal em Coimbra. Aqui, chegados a uma rotunda, rapidamente avistámos as primeiras setas amarelas que apontam para Santiago de Compostela. Aquelas longas rectas planas pelos campos do Mondego, já me estavam a fazer mossa e foi com alguma boa vontade que me deixei convencer pelo Nuno a pedalar até Santa Luzia onde um belo restaurante nos haveria de saciar a fome e a sede. Até lá seguimos as setas amarelas atravessando pequenas aldeias nos arredores de Coimbra.
Finalmente o restaurante. E ainda por cima com ar-condicionado. Sopa, sandes de leitão, melão e café, foi quanto bastou para voltarmos à estrada. Até à Mealhada o Caminho de Santiago entra verdadeiramente em terra. Pedalámos por vinhas, hortas e pinhais. O percurso está bem marcado e até tem setas pregadas em árvores: amarelas para Santiago e azuis em sentido contrário para Fátima. Antes de chegar à Anadia ainda nos perdemos, pois no meio de um pinhal estavam duas setas amarelas e cada uma indicava um caminho diferente. Devemos ter escolhido mal porque só encontrámos mais uma seta. O que nos valeu é que apareceu mais um café e fizemos uma nova paragem para refrescar.
Mais à frente reencontrámos o Caminho, que voltámos a perder à saída de Águeda. Estes desencontros foram sempre oportunidades para conhecer novos trilhos e apimentar a jornada com a incerteza de estar a tomar a opção certa. Costuma dizer-se que “A sorte protege os audazes” e é verdade. Pelo menos connosco bateu sempre tudo certo, avançando para norte sem percalços.
Nova paragem. Desta vez, ao atravessarmos uma aldeia por uma rua estreita, fomos “barrados” por uma procissão que avançava em nossa direcção. Foi um bom pretexto para descansar um pouco. Tirámos os capacetes, encostámos à berma e aproveitámos para fotografar o desfile, com mordomos, andores, banda filarmónica e criancinhas vestidas de anjinhos e Nossas Senhoras. Só mesmo nós é que destoávamos no meio de tanta gente com o “fato de domingo”.
Entretanto íamo-nos aproximando do rio Vouga e em Macinhata do Vouga tivemos o primeiro contacto com o ramal de Aveiro, onde ainda passam comboios. Foi com grande espanto que ao chegar a Sernada, deparámos com uma ponte onde carros e comboio partilham o tabuleiro, um de cada vez, claro! Nesta localidade bem pitoresca, jantámos no bar da estação. Deviam ser quase 20:00 e havia que enganar o estômago. Aproveitámos também para comprar alguma coisa para tomar ao pequeno-almoço.
A estação de Sernada estava cheia de velhas carruagens, completamente “decoradas” com graffitis e com poucos vidros inteiros. Já meio ocultos pela noite que começava a cair, pedalámos pelo meio dessas composições e à saída da estação entrámos numa estrada de alcatrão que só se dá conta que já foi uma linha de comboio, porque, mais à frente, tem uma ponte metálica bastante estreita. Debaixo do IP5 a linha desapareceu completamente mas foi possível encontrá-la de novo e fazer mais algumas centenas de metros em terra.
Surgiu a primeira contrariedade. Depois de atravessar o alcatrão a linha estava cheia de mato e era impossível progredir. Por esta altura já era noite cerrada mas como tínhamos luzes, coletes e reflectores, decidimos seguir por estrada e tentar retomar a linha mais à frente. Um pouco mais à frente o Nuno saiu de repente para a esquerda e eu segui-o meio atrapalhado, conseguindo a proeza de entalar a corrente entre os dois pratos mais pequenos. Poucos metros à frente a linha voltava a estar cheia de mato e aquele pequeno troço apenas servia duas garagens de umas casas que havia por ali. Ali ficámos a resolver a avaria enquanto os cães ladravam e um pouco mais acima, uma voz de mulher meio assustada chamava pelo Carlos (?). Respondemos que não éramos o Carlos e já na estrada com a avaria resolvida ainda ouvimos a senhora a chamar-nos “ – Seus malandros!” e que já tinha chamado a GNR.
A senhora não deve ter ganho para o susto e eu, confesso, não fiquei muito satisfeito com a ideia de ter a Guarda à perna, embora não tendo feito nada de mal. Concluímos que não adiantava continuar e no primeiro corte que descobrimos para o rio, descemos para pernoitar. Numa zona onde o vale é bastante estreito, tínhamos descoberto uma praia de seixo e umas acácias a fazer de telhado. Um verdadeiro hotel de mil estrelas com vista rio e águas correntes. Um luxo! O pior foi ter de adormecer transpirado dentro de um saco cama, por causa dos mosquitos e das melgas. É que apesar de nos termos besuntado com repelente a bicharada não deu tréguas. Até um cão vadio por ali apareceu (ou seria o Nuno a ter visões?). Para completar o quadro, os eucaliptos não pararam de fazer barulho toda a noite sacudidos por forte vendaval. Só faltou chover.

11/07/2005
Carvoeiro (algures na margem do Vouga) - Viseu

Ainda não eram 7:00 e já estávamos novamente à beira do alcatrão. Aproveitámos o facto de haver ali um pequeno estacionamento com uma grande mesa em pedra, para tomar o pequeno-almoço e acondicionar decentemente toda a tralha desarrumada à pressa na véspera. Depois da experiência da noite anterior, decidimos que nesta zona não valeria a pena insistir em pedalar pela linha. Até porque ela estava ali, mesmo encostada à estrada, mas uns metros mais alta. Iniciámos então o nosso dia pedalando por alcatrão, até que um pouco à frente avistámos um grande viaduto em alvenaria, que atravessava o vale para o outro lado. Só podia ser a linha. Na primeira oportunidade saímos da estrada e subindo um pouco lá a apanhámos, mesmo à entrada do tal viaduto. Apesar de ser bem alto, foi atravessado em segurança porque, tirando algumas travessas que ainda resistem ao tempo, parece uma normal ponte rodoviária com o piso em terra. Foi o momento para tirar umas fotos e apreciar a paisagem. Mas o melhor ainda estava para vir.
A partir daqui o eucalipto começou a dar algum espaço a outras espécies bem mais frescas, o piso em terra mantinha-se perfeitamente ciclável e apareceram os primeiros túneis (curtos a não ser necessário utilizar luzes). O vale tornava-se mais largo e começávamos a passar pelo meio de algumas aldeias com campos cultivados. Um regalo para a vista! A partir daqui e até Viseu cerca de 90% do percurso é ciclável.
Com o Sol a apertar, encontrámos uma mercearia onde comprámos fruta. Enquanto comíamos, fomos contemplando à nossa frente uma imponente fábrica de massas alimentares em ruínas, que recebia energia de uma mini-hídrica construída um pouco mais abaixo, no Vouga. Um verdadeiro monumento à nossa indústria, a merecer melhor destino. Lá estavam os enormes silos de cereais junto à estação a deixar adivinhar a importância que a Linha do Vouga teve, no transporte de pessoas e mercadorias.
De vez em quando o mato invadia o percurso e o piso tornava-se muito duro. Tudo em pequenos troços que não dava para nos desanimar. Quando nos aparecia um obstáculo saíamos da linha e poucas centenas de metros mais à frente era possível retomá-la. Encontrámos de tudo a impedir-nos a passagem: casas novas, prédios, aviários, uma Ford Transit ferrugenta, blocos de pedra, campo de futebol, etc.
Numa das várias aldeias que íamos atravessando, encontrámos mais uma mercearia e nova oportunidade para nos refrescarmos, desta vez com um melão. Antes de chegar a Vouzela fizemos a parte mais dura do dia. Tinham andado a cortar as árvores e o percurso estava cheio de ramos. Tivemos de progredir com a bicicleta à mão, debaixo de um Sol abrasador. Mal apanhámos o alcatrão ali ao lado, esquecemos a linha e descemos para o almoço.
Já a pedalar à dois dias, debaixo de muito calor e sem tomar banho, resolvemos almoçar na pequena esplanada de um restaurante, para não estragar o ambiente no interior. O nosso mau aspecto era tal que a senhora que nos atendeu perguntou-nos se não queríamos tomar um duche para ficarmos “mais frescos”. Agradecemos a simpatia mas a hora era de comer e não de nos preocuparmos com “coisas menores”. Definitivamente estávamos num “país diferente”: a dose era a preço de “Mouro” mas enfartava dois “Galegos”. Depois da “vitelinha de Lafões” ainda nos fomos deitar no jardim, por baixo do viaduto ferroviário, mas a visão de tão imponente construção que haveríamos de transpor e o ataque das formigas, rapidamente nos fez pôr de novo em marcha .
Abastecemos de água numa fonte muito antiga e atravessámos a parte antiga de Vouzela, subindo uma rua bastante inclinada até encontrar novamente a linha. Durante estes quatro dias quase nunca comprámos água. Apesar da seca, fomos sempre aproveitando a água das fontes sem que tenhamos sentido qualquer problema de saúde.
De Vouzela para as Termas de S. Pedro do Sul, a distância é curta mas o desnível é acentuado. Como é que isto se fazia de comboio? Simples! Depois de atravessar o viaduto, cruzámos a antiga estação, agora recuperada e transformada em terminal rodoviário. Ali ao lado uma antiga locomotiva a vapor em exposição lembra outros tempos. Depois a linha descreve uma espécie de “oito” num carreiro cheio de pedras que teve de ser feito sempre a travar (?). Uma delícia!
Nas Termas fizemos mais uma paragem para comer um gelado e retomámos o percurso para descer o que faltava até S. Pedro do Sul. A partir daqui até cerca de quatro quilómetros de Viseu, a linha é quase sempre a subir. Primeiro flecte para Sul durante um bocado, para dar meia volta e seguir para Norte, numa direcção paralela mas em cota mais elevada. Curvas e contra-curvas foi coisa que não faltou ao longo deste dia. Nesta zona o percurso é quase sempre em estradão sem vegetação a complicar (à excepção de um pequeno troço onde havia um fogo, antes de chegar a Moçamedes).
Em S. Miguel do Mato passámos ao lado de uma igreja muito antiga (seria um convento?), junto a um cemitério abandonado com vista para um vale profundo, encimado por alguns penhascos. Tudo aquilo ali no meio do nada fez-me lembrar algumas paisagens do Gerês. Mais à frente com a aproximação à cidade de Viseu, a linha começou a deixar de se perceber e satisfeitos com o que já tínhamos feito, pedalámos por alcatrão até à cidade.
Ainda antes de atingir a cidade, após alguma teimosia, dei-me por vencido e resolvi trocar uma câmara que perdia ar. Ainda com dois dias para pedalar era um desperdício deitar fora o líquido selante da câmara rota, ainda por cima porque não o tinha na câmara nova. Nada que não se resolvesse! Cortámos a parte de cima de uma carrapeta e ficámos assim com um pequeno ”tubo roscado”, onde apertámos as válvulas das duas câmaras-de-ar, uma de cada lado. Com as câmaras unidas pelas válvulas, foi só espremer o “sumo” da velha para dentro da nova e recuperámos assim grande parte do líquido selante. Tirando um pequeno contratempo no primeiro dia, também com uma câmara (que até nem foi preciso trocar) e o episódio nocturno da corrente encravada, não houve mais problemas técnicos.
Chegámos finalmente a Viseu onde desta vez dormimos numa residencial com direito a banho, lavagem da roupa suja e garagem para as bicicletas. Nessa noite deu para dormir bem e recuperar as forças para o dia seguinte.

12/07/2005
Viseu – Pomares (sopé da Serra do Açor)

Depois de tomado o pequeno-almoço estávamos como novos, bem dormidos e entusiasmados com a jornada do dia anterior que tinha superado as nossas melhores expectativas. A Linha do Vouga tinha sido percorrida quase na sua totalidade, dando-nos a conhecer a bela região de Lafões. Agora faltava descobrir o que a Linha do Dão tinha para nos oferecer.
Descemos a cidade em direcção à rotunda onde dantes existia a estação. Andámos por ali um pouco perdidos até que encontrámos o armazém das mercadorias, que ainda resiste, ao serviço de uma empresa de distribuição de encomendas. Imediatamente ao lado do barracão seguimos o antigo traçado da linha que seguia pelo meio das casas, atravessando os subúrbios da cidade, sempre num piso liso e rápido. Nem queríamos acreditar: Tínhamos saído de Viseu logo pela linha e ali continuava ela sem dar sinais de querer desaparecer. Pedalámos forte até aparecer aquilo que iria dar o mote deste dia: Uma pequena ponte sobre uma ribeira, com um vão de pouco mais de cinco metros, apresentava como “tabuleiro” duas vigas de ferro afastadas cerca de um metro uma da outra. Tivemos de passar em equilíbrio, com a bicicleta em cima de uma viga e nós a segurar em cima da outra. Fácil! Do outro lado o caminho continuava em bom piso a convidar a pedalar forte.
Atravessámos uma vinha, evitámos um silvado, contornámos o desaterro feito para a construção de duas vivendas e chegámos a uma ponte, ali para os lados de Torredeita. A Ponte metálica tinha um vão e uma altura consideráveis e como “tabuleiro” tinha de um dos lados uns quadrados em cimento de aspecto muito duvidoso e que se moviam quando os pisávamos. Avançámos pé-ante-pé, sempre a contar que uma daquelas placas se partisse. Quando verifiquei, numa que estava partida, que tinham uma malha interior de ferro, fiquei um pouco menos tenso e o meu nível de confiança aumentou. Mesmo assim, só quando ambos nos encontrámos já do outro lado é que respirámos fundo.
Logo mais à frente o mato começou a invadir a linha e para piorar as coisas, neste troço ainda permaneciam os carris e as travessas. Tivemos de avançar lentamente com as bicicletas à mão até sermos barrados pelas obras de construção de uma nova estrada. O alcatrão estava perto e foi por aí que seguimos até voltar a encontrar a linha em Farminhão. Daqui até Tondela foram poucos os desvios que tivemos de fazer, sendo mesmo o maior, a deslocação ao centro da cidade, onde almoçámos numa magnífica esplanada em frente aos Bombeiros.
Depois do almoço e de novo à procura da linha, logo fomos presenteados por uma segunda ponte metálica. Desta vez só tinha mesmo as duas vigas principais. Pelo menos o ferro das vigas era forte e não abanava. Lá fomos devagarinho, com uma mão no avanço da bicicleta e outra no corrimão, um de um lado e outro do outro. Quando estava quase a chegar ao outro lado verifiquei que faltavam cerca de três metros de corrimão. Voltar para trás era impensável e por isso tive de me encher de coragem e avançar em verdadeiro equilíbrio até voltar a ter onde me agarrar.
Daqui para a frente a pedra começou a fazer-se sentir. No início ainda pedalámos em bom piso mas depois as aldeias começam a ficar mais distantes, há menos terrenos de cultivo e a linha parece que só serve mesmo para que alguns malucos como nós por ali passem. Foram alguns quilómetros bem duros, sempre a chocalhar e a rezar para que nada se partisse. Numa das paragens que fizemos, aproveitámos para nos refrescarmos com a água que saía de uma mina e que corria por um rego até umas manilhas, donde depois se regava uma horta. Se era própria para consumo? Não sabemos. Mas que soube bem, soube!
O rio Dão fazia a sua aparição, largo, açudado pela Barragem da Agueira alguns quilómetros mais abaixo. No ar várias aves de rapina voavam e piavam ao sabor da brisa quente. O Nuno ainda sugeriu uma banhoca mas ao aproximarmo-nos da água, rapidamente desistimos. Entretanto faltava pouco para chegar ao fim da linha em Santa Comba Dão e como era cedo tínhamos de decidir o que fazer. Até porque, ao chegarmos à ponte que atravessa o Dão, verificámos que era completamente impossível a travessia. A ponte é muito comprida e só tem as vigas. Seria de loucos tentar fosse o que fosse.
O desejo da banhoca deu o mote. Em Pomares existe uma bela praia fluvial com um parque de campismo do melhor que conheço. O Nuno “deu corda” ao GPS e poucos segundos depois ficámos a saber que quarenta quilómetros de estrada nos separavam dessa aldeia no sopé da Serra do Açor. Vendo que tínhamos tempo para lá chegar demos por terminada, ali à entrada da ponte, a nossa viagem de “comboio”. A pequena distância que nos separava de Santa Comba foi percorrida primeiro por um caminho de terra que parecia não parar de subir e depois por alcatrão, novamente pela margem do Dão.
Atravessado o Dão, subimos, para voltar a descer à mesma cota, mas desta vez para atravessar o Mondego. Nova subida até Tábua e depois, embora mais suave, sempre a subir até à EN 17. Pedalámos um pouco nesta via até que virámos à direita e sempre a descer alcançámos o rio Alva na localidade de Avô. Cerca de quatro quilómetros, pelo vale da Ribeira de Pomares nos separavam do nosso destino.
Mal chegámos, parámos no café para encomendar o jantar e fomos ao parque de campismo para fazer a inscrição. Tudo muito rápido porque a água da ribeira esperava por nós. Finalmente um mergulho e umas braçadas por baixo da ponte romana. Não fora a água estar gelada e se calhar ainda lá estaríamos. Sem dúvida um local a visitar. Nessa noite dormimos sob a copa das tílias do parque, sem mosquitos nem formigas. Antes de adormecer, disse ao Nuno: “- Amanhã estamos em Leiria”. Ele resmungou qualquer coisa que me recuso traduzir e ainda tive tempo de ouvir uns campistas a dizer. “- Aqueles tipos vão dormir ao relento!”. E que bem que dormimos!

13/07/2005
Pomares – Leiria

Havia que tomar uma decisão. Ou seguíamos pelo vale do Alva, ou subíamos a serra e pedalávamos pela cumeada até Gois. Ainda não sabíamos qual o destino a atingir neste dia, apenas que pedalaríamos em direcção a Leiria. Até porque o meu companheiro estava com uma “impressão” no joelho. Enquanto tomávamos o pequeno-almoço, decidimos que a volta pela serra seria mais interessante. Comprámos alguma coisa para o almoço, carregámos com água (da fonte) e seguimos serra acima. Pelo caminho íamo-nos distraindo com a beleza das aldeias e suas casas em xisto e com o flagelo dos incêndios que deixam grandes manchas a preto e branco. Chegados à estrada que liga Coja ao Piodão, pudemos verificar que a Mata da Margaraça ainda não tinha ardido, embora o fogo tenha andado perto.
Atingido o ponto mais alto desta estrada, virámos para Oeste e demos início a um sobe e desce pela cumeada da serra. Passámos junto a um posto de vigia, cruzamo-nos com vigilantes do ICN num carvalhal e almoçámos num parque de merendas, junto a um local onde se concentravam meios de vigilância da área protegida da Serra do Açor.
Da parte da tarde a coisa complicou-se. Logo a seguir à paragem do almoço fizemos uma subida em terra como ainda não tínhamos feito nestes dias. O Sol a pino e a ausência de sombra aumentavam a dificuldade e ainda por cima a neblina não deixava alargar a vista pelo horizonte. Já por aqui tinha passado (vindo de Linhares da Beira, aquando dos primeiros reconhecimentos para a elaboração da Rota das Aldeias Históricas) e a paisagem que se avista num dia limpo é indescritível. Basta lembrar que estamos na cumeada de um conjunto de serras que “cortam” o país ao meio: o sistema Montejunto-Estrela. Lá se fez a subida, seguida de uma descida muito comprida e depois de passar um tanque de água apareceu uma nova “parede” maior que a anterior. Depois de superadas estas duas subidas é que verificámos que afinal não eram nada de especial e que nós é que andávamos há três dias mal habituados, a viajar de “combóio”.
Ainda nos cruzámos com uma vigilante que, do cimo da sua torre, nos cumprimentou e iniciámos uma descida vertiginosa até Gois, de que só me lembro de uma zona onde o piso estava coberto de algo avermelhado. Mais tarde, entre Gois e a Lousã, pude verificar que se tratavam das vagens secas das sementes das acácias. São milhões os pequenos grãos pretos que ficam a cobrir as bermas da estrada entre estas duas localidades, depois das vagens voarem com o vento.
Em Gois fizemos uma paragem numa esplanada à beira do rio Ceira. Ainda não eram três da tarde e a “impressão” no joelho do Nuno não passava disso mesmo, uma impressão. A partir daqui e quase sem darmos conta, foi quase um contra-relógio até Leiria. Sempre por alcatrão chegámos à Lousã, onde fizemos nova paragem para mais um gelado. Miranda do Corvo ficava logo à frente e ao seguirmos o rio Dueça ou Corvo, sem subir e num piso a pedir roda fina, passámos Penela quase sem dar conta. Chegámos à zona do Sicó que nos convidou a deixar o asfalto e percorrer alguns quilómetros de terra até perto de Lagarteira.
Com Ansião logo ali à frente ficou claro que este dia terminaria em Leiria e seria o último desta aventura. Jantámos cedo em Ansião e eram oito horas quando nos pusemos de novo ao caminho. Ainda fizemos um bocado de terra antes de Santiais onde já chegámos de noite. Albergaria-dos-Doze, Memória e Caranguejeira foram sendo alcançadas uma a uma, até que em Leiria, frente ao ferro-velho nos separámos. Cheguei a casa por volta das onze da noite ainda incrédulo com a etapa que tínhamos feito neste dia.
No final fizemos cerca de 510 quilómetros e 5700 m de desnível acumulado. Para o ano quero repetir, hajam compreensão familiar, pernas e companhia.
E tu? Do que é que estás à espera?