Pedalando por aí

Relatos de pequenas aventuras, pedalando pelos "maus" caminhos de Portugal

Tuesday, July 31, 2001

Estafet@ Velocipedi@



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Etapa n.º 1 LEIRIA - MONSANTO
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LOCAL DE PARTIDA
Leiria, Fonte Luminosa em frente ao Turismo, 29 de julho de 2001, 7:30 AM
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METEREOLOGIA
Neblina matinal, céu limpo e vento fraco durante a manhã. Trovoada e aguaceiros a partir da tarde. Calor, muito calor.
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LOCAIS PERCORRIDOS
Leiria, S. Romão, Vidigal, Cortes, Casal Branco, Fontes (nascente do Lis), Alcaidaria, Reguengo do Fétal, Alqueidão da Serra, Covas Altas, Barrenta, Alvados (cruzamento), Grutas de Alvados, Serra de Sto. António e Monsanto.
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TIPOS DE PISO
Alcatrão por estradas secundárias com pouco movimento, alternando aqui e ali com alguns troços em terra, gravilha e pedra solta.
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NÚMEROS DA ETAPA
Distância percorrida: 42,97 km
Média Quilométrica: 14,18 km/h
Velocidade Máxima: 64 km/h
Tempo Efectivo Deslocação: 2h 53m
Cartas Militares nº 297; 308; 318; 328
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CHEGADA
Monsanto, Fonte do Pião, 29 de julho de 2001, 11h 31m
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TRANSMISSÃO DE TESTEMUNHO A:
Paulo Ribeiro e companheiros do "Trilho Livre", em Monsanto , na Fonte do Pião por volta das 12h
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RELATO
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A trouxa já estava feita de véspera, umas barras energéticas, três sandes, água e dinheiro que pelo caminho há onde comer. Saí de casa eram 7:10. Meia dúzia de pedaladas até ao cimo da rua e dois km a descer até à cidade. Fonte Luminosa, o Macedo ainda não chegou, aproveito e procuro um local para pousar a máquina fotográfica para tirar uma foto com o temporizador. Lá vem ele. Foto, já está! Vamos embora para aproveitar este fresquinho.
Passamos em frente à Fonte das Três bicas, Igreja de Sto. Agostinho e mais à frente paragem para a primeira foto à saída da cidade. Viramos à esquerda para S. Romão e registo o primeiro parcial quando passamos na ponte sobre o Lis. A manhã está fresca mas aqui e ali a neblina vai ficando com tons de azul a querer dizer que não tarda aí o sol e o calor. Passada a ponte sobre o ribeiro da Curvachia, viramos à direita antes da subida. Não tarda estamos em Cortes onde tiramos mais uma foto junto à nora que teima em rodar, movida pela água do Lis. Não nos demoramos, porque o sol já espreita e estamos a subir em direcção a Abadia, mas pouco, porque entretanto viramos á direita para Fontes (nascente do Lis, local de visita obrigatório, principalmente depois das chuvas de inverno). Nesta aldeia passamos a ponte e seguimos pela direita até encontrar um corte á esquerda a subir, em frente à última casa da aldeia. Mais ao fundo, quando chegamos a Amoreira viramos à esquerda e entramos finalmente em terra pelas oliveiras. Este trilho tem alguma pedra e no inverno a última parte mais parece o leito de um rio. Cruzamos o alcatrão e seguimos pelo caminho da direita que passa em frente à casa, mais umas pedaladas e chegamos á estrada principal em Alcaidaria, onde seguimos pela esquerda. O Reguengo já está perto e só de pensar que vou tomar um segundo pequeno almoço até me dá vontade de acelerar.
Saímos de Alcaidaria, depois de passar o corte para Torre, por uma rua à esquerda que sobe ligeiramente e que mais á frente se torna num caminho de terra. As primeiras imagens da Serra d'Aire aparecem no horizonte e a neblina já era. Chegados novamente ao alcatrão, descemos em direcção à estrada de Fátima. Tomamos a direcção do Santuário e antes de começar a subir, seguimos em frente entrando no Reguengo do Fétal. A seguir, na rua à direita que nos vai levar pelo vale, desligamos os ciclómetros e rumamos à pastelaria para "picar o cartão".
-Bom dia! A pedalar já, a esta hora?
-Venham mas é daí duas sandes mistas, e um compal que a gente também gosta é disto.
Vai mais um bolo e um café que a coisa agora promete. Já sabia que ia subir o vale com a comida ás voltas no estômago, mas depois o efeito seria compensador. Até aqui rolámos por zonas rurais onde abundam as vinhas, os pomares e algumas hortas. Desníveis não houve nem qualquer tipo de dificuldade. Daqui para a frente tudo muda. Entramos no Parque natural das Serras D'Aire e Candeeiros (PNSAC), o verdadeiro reino da pedra.
Saímos da pastelaria e retomamos o nosso percurso, voltando a ligar os ciclómetros no mesmo local onde os desligámos. Deixamos as últimas casas para trás, entramos num estradão de brita e seguimos pelo magnífico vale do Reguengo em direcção ao Alqueidão da Serra (capital da calçada Portuguesa). Este vale é muito bonito. De um lado os montes encimados por afloramentos calcários que parecem ruínas de castelos. Do outro matas de carvalhos divididos com muros de pedra.
-Macedo! Hoje não vamos pelo Jurássico. Vamos pela pedreira que é mais directo .
Chegamos ao Alqueidão e junto ao Cruzeiro viramos à esquerda em direcção à pedreira. Aqui ao lado há um pequeno troço de uma estrada Romana que pode ser visitado. Por aqui é realmente mais directo mas sobe-se o mesmo. Paro um pouco e a vista começa a estender-se para Oeste. Aqui começamos a ter a noção de que estamos realmente a subir e que o esforço não é em vão.
Vamos mas é continuar a subir que já falta pouco. Passamos a pedreira e lá mais à frente uma placa feita em calçada Portuguesa indica "MIRADOURO" . É o Jurássico. Em dias limpos de Inverno é possível ver as Berlengas, o Sítio da Nazaré e a Serra da Boa Viagem na Figueira da Foz. Mais perto vemos o castelo de Porto de Mós, o Mosteiro da Batalha e lá mais ao fundo o Castelo de Leiria. Para norte o Sicó e a Lousã. Sem dúvida um desvio que vale a pena fazer. Mas hoje o objectivo é outro e o Jurássico já nos é familiar, por isso continuamos.
Depois do cruzamento para o Miradouro, quase no cimo da subida, saímos do alcatrão e viramos à direita por um estradão que sobe ligeiramente. Daqui para Alvados não há mais subidas e temos duas formas de abordar o trajecto. Ou continuamos calmamente captando a beleza do PNSAC ou aproveitamos a tendência descendente dos trilhos para pedalar forte e acelerar um pouco. Vamos mas é com calma que ainda nem sequer chegámos e ainda temos depois de voltar . Iniciamos então a descida suavemente. Quando chegamos aos eucaliptos viramos á esquerda e mais à frente cruzamos o alcatrão em Covas Altas. Do outro lado seguimos por um carreiro sobre a esquerda que segue entre muros e que ao fundo entra num caminho mais largo. Alguns pinheiros e viramos à esquerda por um estradão de bom piso que desce pelo meio de campos amanhados. No final da descida mais eucaliptos, voltamos novamente à esquerda e continuamos a nossa tendência descendente até ao alcatrão em Barrenta, onde seguimos pela direita.
Entretanto o Sol afastou a neblina e o dia começa a aquecer, não há vento e o PNSAC não proporciona sombras. Na última casa da Barrenta, junto a uma placa que nos deseja "BOA VIAGEM" entramos à esquerda por um caminho de terra que desce. Pensei para comigo "hoje vou descer isto tudo sem travar". Não fui capaz! Apesar de alguns arranhões iniciais provocados por silvas que teimam em invadir o caminho, as curvas apertadas na parte final fizeram-me perder a aposta. É aqui numa zona com sobreiros que viramos à esquerda para de seguida chegarmos ao alcatrão da estrada que liga Porto de Mós a Mira D'Aire.
Por detrás da vegetação já se vê o tom castanho da costa de Alvados. Seguimos pelo alcatrão para a esquerda e logo à frente, numa berma mais larga, aí está o vale de Alvados, com a localidade encostada ao Castelejo (afloramento rochoso) e sózinho lá no meio o edifício de apoio ás actividades de ar livre. À nossa frente a imponente Costa de Alvados com os seus filamentos de pedra a traçarem-na de ponta a ponta.
- Pedro! Afinal as Grutas de Alvados são já ali em cima. Pensei que se tivesse de subir mais!
- Pois, pois!
O pior é que quando virámos à direita para as Grutas, descemos, descemos, descemos e depois subimos, subimos, subimos. Foi a subida do dia. Nada de especial, alcatrão, bom piso mas o calor é que está aqui a mais.
- Como é? Comemos aqui um gelado no bar das Grutas?
- Eu gelado não quero.
- OK ! Então seguimos.
- Mas não me importo de parar um pouco
- Então eu também não me importo e como um gelado.
Ora cá estamos nós sentados na esplanada, com o vale de Alvados à nossa frente, eu a comer um gelado e o Macedo a descansar em grande convívio com umas formigas que apareceram por ali. Mais importante ainda: só falta uma subida que só fiz a descer e na altura fiquei com a ideia que tem um piso muito mau.
A partir das Grutas de Alvados podemos optar por seguir por alcatrão, passando pelas Grutas de Sto. António e seguindo depois para Serra de Sto. António. Esta opção não é mais fácil, porque também se sobe, mas passa por um miradouro onde se tem uma vista magnífica do Polje de Minde. Como nós já conhecemos, vamos aumentar a percentagem de piso em terra (pedra neste caso) e atalhamos pela tal subida.
Das Grutas há uma estrada mais antiga que desce para Alvados. É por aí que seguimos a descer.
-Bom dia pessoal !
Três camaradas que vêm ofegantes em sentido ascendente. A estrada faz um gancho à direita e à esquerda lá está o início da tal subida. Pedra aqui, pedra ali, afinal isto é canja ou então somos uns toscos quando é a descer (vou mais pela segunda hipótese). Mais em cima temos à direita o vale da Canada com os muros de pedra a formarem desenhos engraçados. Do outro lado, uns eucaliptos isolados marcam a proximidade do Algar do Ladoeiro. Merece a visita mas há que ter cuidado para não cair lá dentro.
Entretanto chegamos novamente ao mesmo alcatrão que deixámos nas grutas de Alvados, seguimos pela direita e fazemos a última lomba.
- Oh! Macedo! Tira aqui uma foto quando eu for a passar em frente ao caminho que dá acesso ao Algar do Ladoeiro que é para o pessoal ter uma referência.
Daqui de cima deste local vemos um mar de pedra à nossa frente, estamos no coração do PNSAC. A gravidade leva-nos até a Serra de Sto. António onde paramos nas traseiras da Capela. Estamos numa encruzilhada mas com alguma atenção lá descobrimos, em frente ao café, a placa a indicar a direcção de Monsanto. Foi a partir daqui que pela primeira vez meti a pedaleira grande, mas rapidamente a tirei porque embora quase sempre a descer, a inclinação não é muita e a ideia de que tinha de pedalar de regresso a Leiria fez-me refrear a vontade de chegar a Monsanto.
Por aqui parece que ainda há mais pedra (como se isso fosse possível). Parece que as oliveiras nascem das pedras, e será que as vacas que aqui pastam comem pedra? Será que está aqui a explicação para o facto de grande parte da carne de vaca ser tão rija? Continuamos.
Mais à frente passamos por um senhor (novo por sinal) que está a construir um muro. É verdade! Um muro de pedra como os milhares de muros de pedra que por aqui há. Sem cimento nem tijolo, só pedra. O tipo parece entendido e lá vai piscando o olho para ver se o muro está a ficar direito. Para mim este homem é um artista, o muro está direitinho.
Aproveito o bom piso e o nenhum movimento de outras viaturas para tirar umas fotos em andamento. De repente... brrrrrrrrrrrrr.... a máquina começa a rebobinar e não há mais rolo. - Bolas! E agora? Como é que eu tiro fotos da entrega do Testemunho? Bem o Paulo Ribeiro deve ter uma máquina e vai ser ele a fotografar o momento.
A descida agora é mais forte, passamos o corte para o Covão do Feto e chegamos a Monsanto. Rumamos à Fonte do Pião e somos os primeiro a chegar. São 11h 31m e o ciclometro marca quase 43 km. Entretanto aparece um carro com três bicicletas em cima. São eles.
- Bom dia! Então malta!
Apresentações, cumprimentos e as fotos do grande momento da passagem do Testemunho (como é óbvio, o Paulo tinha uma máquina). Depois de alguma conversa, sigo com os três até os deixar no local onde passa o Caminho do Tejo. Despedida,
- Boa sorte, e não se esqueçam que o Testemunho tem de seguir sempre de bicicleta!
E lá vão eles em direcção ás nascentes do Alviela. E agora (nostálgico)? Quando é que volto a transportar o Testemunho?
Regresso à fonte onde o azarado Macedo ficou a remendar um furo que se revelou só depois de estarmos parados há um bom bocado.
Da minha parte, missão cumprida com muito gozo. Penso que á medida que a Estafeta avançar, a responsabilidade de quem transporta o Testemunho irá aumentar. Afinal quem é que se atreve a interromper uma coisa que outros se empenharam tanto em concretizar? Por outro lado essa maior responsabilidade também aumenta o simbolismo que se gera à volta do Testemunho e a motivação para o fazer seguir. Boa sorte a todos os que participarem nesta aventura e muito obrigado por tornarem uma realidade esta minha ideia que se tornou num projecto NOSSO.
O regresso é outra história que até meteu chuva e mais 52 km.
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O Regresso
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Regressámos pelo mesmo caminho até à Serra de Sto. António. Para quem fizer o Caminho do Tejo é aconselhável fazer este desvio já que evita a descida ao Covão do Feto e depois o caminho de pé posto que leva ao cimo da serra e onde as bicicletas só têm lugar ás costas da "besta" (o que me custou em 16/07/00 quando fiz o Caminho!). Comemos umas sandes à sombra das árvores junto à capela e como o café parecia estar em hora de ponta, tomámos uma bebida fresca na taberna. A velhota que aviava copos a dois indivíduos que, ou já estavam com os copos ou não regulavam bem (ou as duas coisas), vaticionou trovoada. Que raio como é que é possível? Com um calor destes, não se vê uma nuvem no céu, como é que pode ser? Seguimos em direcção a Minde, para encontrar o Caminho do Tejo, no final do tal caminho de pé posto. Neste local existe um parque de merendas e a vista para o Polje é espectacular. Pena não ser Inverno e estaríamos perante um lago, salpicado aqui e ali com a copa de uma ou outra árvore mais alta. A velocidade a descer para Minde, contrasta com aquela com que se sobe do outro lado para o Covão do Coelho. Entrámos finalmente na última parte do Caminho do Tejo, aquela que é a mais bonita de todo o percurso. Foi aqui que o ano passado o Macedo se atirou para o chão, exausto e me disse para eu ir andando, que ele haveria de chegar, nem que fosse de noite. Claro que não deixei. Mas desta vez isso não aconteceu e ainda vamos "frescos".
De repente: BRRRRRRUUUUUMMMMMMMMM............. Um negrão enorme surge para os lados de Ourém e cospe raios e trovões que nem um dragão. Não é que a velhota tinha razão! Querem ver que ainda nos molhamos. Seguimos as indicações dos marcos e na Moita do Martinho abandonamos o Caminho e seguimos em direcção a S. Mamede e depois ao Vale de Ourém, onde parámos na rotunda. Até aqui escapámos á chuva mas os raios e os trovões continuam. Daqui para Leiria é sempre a descer, é como se já estivessemos em casa e como a fome apertava, resolvemos parar na esplanada do café onde devorámos umas bifanas e duas talhadas de melão. Estávamos a pagar quando começaram a cair algumas pingas, daquelas que bastam meia-dúzia para se ficar encharcado.
Partimos rápido em direcção à Perulheira onde chegámos completamente encharcados com a água que caía de cima e com a que saltava das rodas. Sem parar iniciámos a descida para Torre, Torrinhas, Piqueiral e Fontes. A velocidade e a distância percorrida na descida permitiu duas coisas: fugir á trovoada e chegar ás Fontes praticamente secos.
Cumpridos os sete quilómetros que separam a nascente do rio Lis da cidade de Leiria, terminámos uma jornada que não vou esquecer tão cedo.